Fábulas do Mundo Animal

 

O texto erudito de António Araújo (AA) publicado no “DN”, no dia 12 de março de 2022, intitulado “Tristezas de Juan Carrito” (https://www.dn.pt/opiniao/tristezas-de-juan-carrito-14672263.html), em que compara alguns oficiais generais na reforma ao comportamento do ursito Juan Carrito e de um canito pavloviano, para além de outros mimos (idiotas úteis), traz-me à memória algumas fábulas que me contaram em pequeno sobre o comportamento dos animais. Tenho bem presente algumas que têm como figura central o burro, ou se preferirmos o asno.

A do burro e da cobra, ensina-nos que devermos ser sempre precavidos e informados, e nunca falarmos sobre o que não conhecemos. Isto vem a propósito daquilo que AA escreveu: “Confrontado [Carlos Branco] com a sua ligação ao sinistro Grupo de Valdai, um clube fundado pelo ex-chefe dos serviços secretos russos, financiado pelo VTB e pelo Alfa-Bank, no qual Putin fala todos os anos (o seu maior palácio, de resto, fica por perto), e ao qual Sergey Lavrov se dirigiu no dia 22 de Fevereiro - note-se, dois dias antes da invasão da Ucrânia -, o general Carlos Branco [CB] defendeu-se dizendo que Guterres também fora a uma das reuniões do Clube Valdai, como se fosse comparável a presença do secretário-geral da ONU, que ali falou a esse título, à de um obscuro general luso, que continua sem esclarecer quem o convidou, quem lhe pagou a viagem e a estada, se recebeu ou não dinheiro de bolso e outros favores, que contactos teve ou mantém com oficiais ou agentes russos.”

AA só leu o cabeçalho do post. Na verdade, não foi só Guterres que lá foi. Entre outros apaniguados de Putin sobressaem figuras insignificantes como Ilham Aliyev, Abdullah II Ibn Al-Hussein; Kassym-Jomart Tokayev, Rodrigo Duterte, Hamid Karzai, Tarja Halonen, Thabo Mbeki, Václav Klaus; Wolfgang Schüssel, François Fillon, Romano Prodi, Dominique de Villepin, Jack Ma, etc., etc. Tudo atores menores da cena internacional. Se AA tivesse feito o trabalho de casa teria reparado que as respostas às insinuações que levanta já foram todas dadas. (https://cordireito.blogspot.com/2022/03/a-argumentacao-tornou-se-vitima-da.html?fbclid=IwAR38sOu4RvVuB4NquuNyPsO89eWbjI3MsTEiHNcobXJIOKZTzzVyOQNDfEo), e teria evitado fazer a figura que o asno faz na fábula. Ter-se-ia também informado, que dos três generais que refere apenas um se encontra na reforma, e que os militares não usam farda, mas sim uniforme.

E continua AA na sua eloquência: “A 11 de Fevereiro, dias antes da violação da Ucrânia, entrevistado pelo Jornal de Negócios, o general Carlos Branco sossegava o mundo contra os avisos de Joe Biden: "Os russos não estão interessados em invadir a Ucrânia. Só o farão in extremis." Viu-se.”

Devo esclarecer que não fui o único a pensar assim. Analistas insuspeitos de alto recorte  (https://www.atlanticcouncil.org/blogs/new-atlanticist/why-putin-wont-invade-ukraine), que colaboram em think tanks onde AA não tem lugar, fizeram a mesma análise. Compreendo que a mundivisão paroquial de AA não lhe permita acompanhar as discussões sobre o tema, caso contrário não se teria exposto desta maneira. Ele é mais do estilo pidesco e censório.

E como afirmei, e bem, os russos só o fizeram in extremis. Ou seja, quando perceberam que a conjugação da pressão militar com a política não ia dar resultado. Levaram sopa dos EUA e da NATO. Como se isso não bastasse, no dia 19 de fevereiro de 2022, na Conferência de Segurança de Munique, o Presidente Zelenski manifestou a intenção de renunciar ao protocolo de Budapeste abdicando da sua neutralidade (na verdade já o tinha feito quando inscreveu na sua Constituição a ambição de aderir à NATO), abrindo a possibilidade de a Ucrânia se rearmar nuclearmente. Foi a gota de água para Putin. Se AA não percebe que a análise reflete a dinâmica das circunstâncias, então percebe muito pouco da vida.

AA vai ao ponto de inventar coisas que não sugeri, como podem verificar  (https://www.jornaldenegocios.pt/weekend/detalhe/carlos-branco-os-russos-nao-estao-interessados-em-invadir-a-ucrania-so-o-farao-in-extremis). Por outras palavras, AA foi um trapaceiro, o que fica muito mal a quem foi conselheiro político de dois presidentes da república.

Tem o atrevimento de afirmar que eu sugeri “que era melhor a Europa não se imiscuir na guerra, pois esta iria ser péssima para nós, que iríamos ficaria para trás em diversos campos, "em particular na nanotecnologia". Como se pode verificar da leitura do texto, isso não é dito em nenhuma circunstância. O que sempre disse e reitero é exatamente o contrário, a necessidade da Europa se mobilizar para impedir esta guerra.

E continua AA. no Diário de Notícias, afirmou [CB] que "os russos pretendem apoderar-se da Ucrânia intacta. Com o menor dano possível". Está a ver-se: à hora em que escrevemos, há já dois milhões de refugiados, com expectativas de quatro milhões. "O menor dano possível", segundo o general Branco.

Começa a ser penoso responder a desinformados atrevidos. Mais uma vez, eu estava correto. Refugiados não são instalações, infraestruturas. Quando se fala intacta, referimo-nos às suas infraestruturas. Se os russos quisessem partir a Ucrânia teriam destruído os reatores das centrais nucleares (continuam todas a funcionar), e as grandes cidades estariam em cacos, num estado parecido com o de Grozhni depois dos bombardeamentos.

Nesta altura, nenhuma cidade ucraniana está, nem de longe nem de perto próximo desse estado. O que não significa que a situação não se venha a alterar, se existir uma alteração dos pressupostos. Um poderá ser, por exemplo, a intervenção da NATO. Há alguma destruição, em sítios concretos, em muitos casos onde forças militares utilizam zonas residenciais para combater. Isso foi particularmente evidente nos arredores de Kiev, em que combatentes utilizaram o topo de edifícios para lançarem javelins, algo mostrado nas televisões em Portugal.

Percebo que AA não perceba estas coisa. O mais perto que alguma vez terá estado de uma guerra terá sido numa consola de jogos, ou em frente à televisão. Devia, por isso, abster-se de falar do que não sabe para não se expor. Os seus dislates trazem-me à memória a fábula do burro e do leão, que nos ensina que não devemos jamais adotar uma postura arrogante e perigosa - como a do burro - e sim agirmos de modo ponderado e maduro como fez o leão. Fale de leis e de história, que é daquilo que alegamente deve saber, e deixe de dizer disparates sobre o que não sabe. Para a próxima que me quiser atacar prepare-se melhor para não fazer má figura.

O tom boçal e inquisitório da prosa de AA não se coaduna com a de um historiador, mas de alguém que tem uma carta de missão. Para além do tom pidesco e censório, o seu comportamento assemelha-se a de um militante de uma sinistra campanha de caça às bruxas. Shame on you.


Comentários

KLO disse…
Shake on you top. Do papel incitador ou pelo menos motivador da América nada escrito, mas salva-se a alusão ténue ao facto da Ucrânia ter esquecido o que acordou em termos de neutralidade.
KLO disse…
Shake on you top. Do papel incitador ou pelo menos motivador da América nada escrito, mas salva-se a alusão ténue ao facto da Ucrânia ter esquecido o que acordou em termos de neutralidade.

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