A argumentação tornou-se vítima da guerra, sendo substituída pela desacreditação pessoal

        Desencadeou-se em Portugal uma campanha avassaladora de desacreditação e deslegitimação de quem, sem se entrincheirar, procura analisar objetivamente os acontecimentos em curso na Ucrânia. Essa campanha tem passado por ataques pessoais de diversa natureza a quem procura ter um pensamento autónomo, e escapar à manipulação informativa que acompanha as guerras. Essa campanha tem-se manifestado de diversos modos. Recordo com tristeza e até vergonha alheia o papel agressivo de Ricardo Costa para quem tem opiniões diferentes das suas, muito em particular o seu comportamento com o Major General Raúl Cunha.

        No que me diz respeito, houve várias tentativas para denigrir a minha imagem (não os meus argumentos), normalmente feitas de forma incompetente. Recordo a tentativa, anteriormente desmontada, de me considerarem membro do Clube de Valdai. Inserido nessa campanha de descredibilização, o Jornal Expresso publicou um texto assinado por Vitor Matos (VM) sobre a atuação de três majores-generais, nos quais eu estou incluído. Sob a capa de uma pretensa imparcialidade e independência informativa, o artigo colava-me a Putin e ao apoio da estratégia russa na Ucrânia.

        O título do artigo (A guerra sobre a guerra na TV: há generais portugueses ‘putinistas’ pró-Rússia?) sugeria uma interrogação, mas o texto, como se pode comprovar, dando uma no cravo outra na ferradura, fornece uma resposta afirmativa à pergunta. VM recorreu a fontes anónimas e a comentários nas redes sociais, todos contra mim, sempre com apreciações negativas, como se não existissem comentários positivos sobre as minhas posições, metendo no texto, nalgumas ocasiões, afirmações minhas para compor o ramalhete e simular ausência de parcialidade. A credibilidade de algumas das suas fontes é manifestamente duvidosa, como a de um condenado por violação de segredo de Estado.

        É lamentável que um Jornal como o “Expresso”, que ao longo de décadas tem desempenhado um papel de referência no panorama jornalístico português se tenha prestado a um serviço destes. Muito lamentável. O meu repúdio e condenação pela “peça jornalística” que está na origem deste texto (https://expresso.pt/guerra-na-ucrania/ucrania-a-guerra-sobre-a-guerra-na-tv-ha-generais-portugueses-putinistas-pro-russia) aplica-se acima de tudo ao trabalho do autor do artigo, com quem tenho mantido de há alguns anos a esta parte uma relação de cordialidade. Parece que agora passou a valer tudo. Indo aos factos (apenas os mais gritantes, deixando de parte as várias incorreções).

        Não pondo as palavras na sua pena, o autor utilizou exclusivamente depoimentos que, não contrariando os meus argumentos, se limitam a desconsiderar-me pessoalmente. Um recém-descoberto especialista na Rússia, numa superioridade medonha, diz “que tenho faltado às aulas de geopolítica,” outro chama-me kamarada general putinófilo” que “vai à televisão, na pose de grande especialista”. Profundo!

        VM prestou-se a utilizar uma fonte castrense anónima, que não sabemos quem é, quem representa e que legitimidade tem, para afirmar que estas análises estão a causar “algum desagrado entre militares”. Alguém caído do céu e com poderes divinos que fala em nome dos militares. Quantas fontes militares abertas quer VM que lhe ponha em cima da mesa com a opinião exatamente contrária?!

        Algumas das afirmações a que VM se socorreu roçam o ridículo. Podia ter sido mais perspicaz nos exemplos que utiliza. Recorreu a um “especialista” que para contrariar uma afirmação minha de que “os russos pretendem apoderar-se da Ucrânia intacta. Com o menor dano possível”, dando como exemplo o bombardeamento feito pelos russos da maior central nuclear da Europa. Devia ter-se informado e evitar expor-se ao transmitir informação errada. Como todos sabemos, não houve nenhum bombardeamento de nenhuma central nuclear Ucrânia pelos russos. Houve sim, uma escaramuça a cerca de dois km do local onde se encontram os reatores, que nunca colocou em perigo os reatores nucleares, em que forças ucranianas atacaram a patrulha russa que montava segurança ao local.

        Outras fontes de VM “explicam a posição destes generais por alegadamente pertencerem à ala esquerda militar. Alguns argumentos não são muito diferentes dos do PCP”. VM deve esquecer-se que “alas” políticas nas FA existiram no tempo do PREC. Isso foi há algumas décadas, caso não tenha reparado no anacronismo. Provavelmente VM não era ainda nascido. Quanto à proximidade com as posições do PCP não posso deixar de me lembrar desses perigosos marxistas-leninistas que dão pelo nome de Jaime Nogueira Pinto ou Constança Cunha e Sá, para não mencionar outros. 

        Descobrimos também, que VM e o Expresso têm fontes da área da estratégia e da intelligence especiais de corrida. Não resistiu à tentação de voltar ao Valdai Clube. Descobriu que o Valdai Club, fundado em 2004, funciona como “clube intelectual de discussão que Putin ouve”, com a participação de intelectuais estrangeiros “poucos ouvidos nos seus países”. Certo, para além da insignificância de Gueterres, Tocci, podíamos acrescentar, para não chatear os leitores figuras insignificantes como Ilham Aliyev, Abdullah II Ibn Al-Hussein; Kassym-Jomart Tokayev, Rodrigo Duterte, Hamid Karzai, Tarja Halonen, Thabo Mbeki, Václav Klaus; Wolfgang Schüssel, François Fillon, Romano Prodi, Dominique de Villepin, Jack Ma, etc., etc. Tudo atore menores da cena internacional.

        Ainda no “âmbito argumentativo”, VM recorre-se da expressão de uma comentadora televisiva que se refere aos majores generais como “Asco dos comentadores”. Não posso deixar de reiterar a admiração pelo critério rigoroso das escolhas de VM, nomeadamente a desta comentadora que lhe foge frequentemente o pé para o chinelo, como foi desta vez o caso.

        Continuando a recorrer a várias fontes anónimas, VM escreve o seguinte: “Têm uma certa admiração pela doutrina e pelo profissionalismo dos russos”. “Consideram o Putin um grande estratega” e têm “um fascínio pelo general Valery Gerasimov”, e uma “admiração pela arte operacional russa”. “Não conseguem extrapolar esta visão extremamente pessoal de Putin”.

        Desafio VM a mostrar publicamente declarações ou textos que eu tenha alguma vez publicado, em que manifestei alguma opinião próxima ou parecida com aquilo que me atribuiu. É muito grave se não for capaz de o fazer. Caso isso aconteça, VM enganou os leitores. E isso tem um nome.

        Recorrendo a outra fonte anónima, referindo-se a mim, VM escreve que: “Se um cabo me dissesse isto, punha-o a fazer flexões de braços na parada. Vindo de um major-general é desconhecimento ao nível operacional, o que é grave, ou é desinformação, o que é pior”. A escolha desta transcrição é bem reveladora das intenções de VM e da sua incapacidade para sair da trincheira, refletida na falta de isenção da peça. 

        VM confunde deliberadamente o leitor quando afirma: “A propósito do Valdai Club, o major-general Branco recorda que foi diretor da cooperação regional da NATO, o que o levou a “visitar 32 países”, em que conheceu a elite euroasiática, incluindo duas reuniões com o general Gerasimov, antes de este se tornar chefe das Forças Armadas russas.” O Valdai Clube não tem nada a ver com as visitas que fiz a 32 países no âmbito da NATO. Valdai Club e NATO não são mexíveis. Porquê relacioná-las?! Haverá alguma perturbação de VM?! E prossegue: “Foi convidado [eu] para escrever o artigo por um russo que conheceu numa das suas conferências”. Podia ter acrescentado a história completa. Como lhe referi, tratava-se de um guest speaker russo, convidado pelo Clube de Lisboa, numa das múltiplas conferências internacionais que organizou em Lisboa, e do qual sou membro.

        A forma insidiosa e desonesta com que VM manipulou a construção da peça, não faz jus ao profissionalismo e isenção do jornal onde trabalha. Na próxima vez que me quiser entalar faça um trabalho de casa mais competente e cuidado.  VM revelou-se manipulador, desleixado e pouco profisional. Na prática pretendeu fazer-me um juízo de intenção. O seu comportamento e o objetivo sedicioso que pretendeu atingir não se coaduna com a sociedade democrática e plural porque pugno. Espero que o Expresso se distancie desta obsessão do sr. VM com toques MaCarthistas, que parece ter ultimamente granjeado adeptos entre nós.  

Comentários

Raimundo Narciso disse…
No Facebook comentei o artigo do Expresso: É absolutamente inadmissível! Um escândalo!! Então não é que 3 generais, 3!! Agostinho Costa, Carlos Branco e Raul Cunha, chamados às televisões para comentar a guerra na Ucrânia, expuseram o seu pensamento sobre as causas da guerra, sobre a posição geoestratégica da Rússia e dos EUA, sobre o avanço da NATO no Leste da Europa, de forma objectiva e independente, subvertendo completamente o guião sobre a guerra, sobre o Putin e sobre a NATO recebido da Casa Branca pela nossa comunicação social!??
Puseram-se para ali a comentar a guerra, nem pró-Putin nem pró-Biden, de forma não consentida, pondo em cheque os jornalistas e comentaristas avençados que coitados, têm que ganhar a vida e não podem desviar-se do guião de Washington.
Um escândalo que o Expresso digital de 7/03/2022 num artigo de Vitor Matos nos apresenta e nos alarma com o título: «Ucrânia. A guerra sobre a guerra na TV: há generais portugueses ‘putinistas’ pró-Rússia?»
Unknown disse…
... Muito bem...
ESTÁTUA DE SAL disse…
Excelente defesa. É de novo a caça às bruxas.
Rui Afonso disse…
Mas deste jornalixo que infelizmente temos em Portugal, nada me espanta.
RPL disse…
Não percebo porque responsabiliza mais o jornalista do que o Expresso. Ricardo Costa é mais responsável pelo artigo do que o próprio jornalista. O título, por exemplo, com todas as suas insinuações cobardes, dificilmente foi escrito pelo jornalista.
Neste momento vale tudo, censura, confisco, contra-informação.
Não posso deixar de lhe agradecer o seu contributo sério para a discussão.
Quanto à coragem de quem lhe chama cobarde e asco, sem dizer nomes para não se comprometer, os factos falam por si.
Obrigado.
Este texto deveria ser publicados no jornal em causa, nos termos do Direito de Resposta.
Paulo Jorge disse…
Paulo Jorge Os pró Ucrânia e pró OTAN que até esta guerra se queixavam da ditadura e da falta da liberdade de expressão desmascararam-se, são eles que mais veementemente e sem escrúpulos, e de uma maneira difamante e insultuosa, atacam quem tem opiniões diferentes sem se quer quererem saber dos argumentos e dos factos históricos e os factos cronológicos dos acontecimentos. Eles não querem saber das patifarias do Biden e a sua seita e não querem saber também das patifarias do zélenski que está a trair e a enterrar o seu país por muitos milhões ou até bilhões de dólares. É escusado discutir com pessoas desonestas para os outros e para si próprias. Quem não é honesto para si próprio não se importa nada de o não ser para os outros.

Mensagens populares