Islão e Islão político não são a mesma coisa. Há que separar águas.
Começo por dizer que tenho
imensos (várias dezenas) de amigos muçulmanos com os quais me relaciono amiúde,
para além dos tradicionais cumprimentos do Eid al-Fitr, e estaria na primeira
linha para os defender de abusos e ignomínias. Encontra-se estabelecida em Portugal uma organização muçulmanos cuja relação com o país nos devia orgulhar.
Recentemente, essa organização
que é conhecida internacionalmente pela ajuda ao desenvolvimento que tem vindo a prestar em vários países do Terceiro Mundo, nomeadamente em vários PALOPs, contribuiu com 200.000 euros para a campanha lançada pelo Museu de Arte Antiga,
para a aquisição do quadro de Domingos Sequeira intitulado a “Adoração dos
Magos”, uma pintura de índole religiosa cristã, um trabalho do pintor realizado
nas primeiras décadas do século XIX. Essa oganização fez algo que muitos tinham possibilidade/capacidade de o fazer e não fizeram. Estarei sempre na primeira linha da defesa
destes muçulmanos.
É, por isso, é muito perigoso
falar apenas em Islão e mobilizar animosidades contra o Islão. É, aliás, uma
manifestação de ignorância. É nefasto e não contribuiu para abordar
corretamente o problema que tem vindo a afligir as nossas sociedades. É um tiro
ao lado. Por causa da base sectária em que assenta, o problema não é o Islão, mas sim o Islão político,
independentemente das suas diferentes correntes, umas mais nefastas do que as
outras.
Quando me refiro ao Islão
político refiro-me aos movimentos islâmicos politicamente organizados para
conquistarem o poder e estabelecerem um Estado islâmico; ganhar o controlo político
da sociedade para a mudar segundo os seus valores. É aí que devem residir as nossas preocupações. Não
elaborarei sobre o Islão político nem sobre as várias correntes de pensamento
que o integram.
Contudo, não posso deixar de afirmar que o Islão político, esse
sim, é o nosso – europeu – verdadeiro desafio civilizacional. É contra ele que
temos de nos mobilizar se queremos preservar a nossa existência (física,
cultural, valores, etc.). Dito isto, devo deixar igualmente claro que não sou
ingénuo. Sei exatamente em que campo o Islão político vai recrutar os aderentes,
ou seja, nas massas de muçulmanos que vivem entre nós. Serão sempre as mais
recetivas a esse(s) projeto(s) político(s). Mas isso é outra coisa. Cabe-nos
não deixar que isso aconteça. Sem o apoio das massas, o Islão político não
passará de uma ideia incapaz de se realizar.
Num dos extremos do Islão
político surgem os diferentes correntes filosóficas que defendem o uso da força
para conquistarem o poder; no outro, encontramos propostas de ação política não
violenta mas, em última análise, com o mesmo móbil: a conquista do poder e a subjugação
dos restantes grupos.
As que recorrem ao Jihadismo são as mais influentes e com
maior expressão. Contudo, outras, com menos aderentes, diria mesmo
minoritárias, rejeitam a violência e abraçam a política como um meio de reformar
a sociedade e as relações de poder, parecendo querer reconhecer a ordem
existente.
Curiosamente, largos setores da intelligentzia europeia ignoraram ou
desprezaram a possibilidade das massas muçulmanas abdicarem de intervir
politicamente organizadas numa base sectária. Julgavam que iriam inserir-se no party system ocidental. Esse erro de
análise está e irá sair-nos muito caro.
Trago este assunto à colação, porque a amplificação do
ruído ao redor dos atos terroristas perpetrados em Bruxelas está a toldar-nos o
raciocínio. Embora nos tenhamos que confrontar taticamente com terroristas, no
plano estratégico, o nosso combate é contra o Islão político e, para isso, respostas
maniqueístas são um problema, porque a complexidade do assunto requer uma outra
sofisticação das respostas.
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