AFINAL HÁ UM CLAUSEWITZ NO CORPO DO SR. QUIM

 

Descobrimos recentemente que o sr. Joaquim Vieira (daqui em diante o sr. Quim) um ensaísta da nossa praça, com trabalho longo na fotobiografia, algum dele com qualidade, se transfigurou em comentador televisivo de conflitos internacionais. Não conhecemos as posições dele sobre o Iraque (2003) ou a Líbia (2011), mas tem sido muito vocal no que respeita ao conflito na Ucrânia.

Entra em transe sempre que lhe vêm à mente os majores-generais Putinistas (já agora com letra maiúscula) contra os quais, utilizando a sua posição mediática não perde oportunidade para lhes mandar umas farpas descorteses, algumas roçando mesmo a ordinarice. O homem transforma-se quando alguém lhe diz “Ó Quim, os majores-generais Putinistas chegaram”. Fica descontrolado.

Passou de fugitivo à guerra do Ultramar para belicista. Pudera, nesses tempos era ele que ia bater com os costados na guerra, agora são os filhos dos outros. Aliás, estranho como não se alistou ainda para defender os valores das democracias liberais na Ucrânia.

O sr. Quim utilizou o programa “O Último Apaga a Luz”, do passado dia 30 de março de 2024, na RTP3, para fazer mais uma vez jus à sua preparação para debater estes temas e mimosear os majores-generais Putinistas. Soltou-se o Clausewitz que vive dentro dele, qual génio da lanterna mágica. Num ataque de generosidade, deu “às pessoas que estão lá em casa” oportunidade de serem iluminadas com a genialidade do seu pensamento sobre os atentados em Moscovo:

“O atentado islâmico em Madrid [referia-se ao ataque terrorista jihadista de há vinte anos. Não sabe distinguir entre jihadismo e islamismo, para ele é tudo igual] foi parecido com este [o do Crocus, em Moscovo]… A história da Ucrânia não tem pernas nem cabeça [a referir-se à possibilidade da Ucrânia ser responsável pelo atentado]… Eles [os terroristas] iam fugir para a Ucrânia [teria dito Putin]. Não, eles iam a fugir para a Bielorrússia. O presidente da Bielorrússia já o reconheceu. Na fronteira com a Bielorrússia repeliram-nos, não os deixaram entrar… Quando foram presos estavam muito mais perto da fronteira bielorrussa do que da fronteira ucraniana. Há aqui todo um conjunto de mentiras usados para justificar um pretexto, para justificar o massacre sobre a Ucrânia… E depois vêm os majores-generais putinistas falar nos indícios que apontam para a Ucrânia… O facto do Daesh ter reclamando o atentado não era para eles um indício. Isso não existia. Tudo isso era falsificado. Que aquilo era falsificado, que aquilo não correspondia. E depois há um que vem falar nos factos e os factos apontam todos para a Ucrânia… Eu gostava muito de saber porque é que o Exército português que está na NATO admite este tipo de oficialato. Quer dizer uma pessoa que está num Exército que tem determinados objetivos tem de aderir aos objetivos desse exército.”

Disse estas coisas, com uma bonomia delirante e sem noção das asneiras que manda da boca para fora. Não resisti a comentar, uma vez que não tive oportunidade para o fazer no local próprio. O sr. Quim terá tomado captagon em excesso e entrou em delírio guerreiro. Construiu uma história falsa sobre o que foi dito.

Devo confessar que não pude deixar de ficar bem-disposto quando o Sr. Quim, qual especialista espontâneo, teve o rasgo intelectual de comparar o atentado islâmico em Madrid com o de Moscovo. Marcou pontos! Deu-nos a oportunidade de julgar a pujança dos conhecimentos da pessoa. Ó Sr. Quim, o ataque em Madrid não foi um ataque islâmico, foi um ataque perpetrado por terroristas jihadistas. Islamismo e terrorismo jihadista são coisas diferentes.

Para o Sr. Quim a possibilidade da Ucrânia ser responsável pelo atentado não tem pernas nem cabeça. Para ele, digo eu, que que vive numa realidade paralela e sob o efeito de drogas duras, ou então está na mailing list dos conselheiros da Victoria Nuland".

São públicas: as declarações do chefe dos serviços de inteligência militar ucraniana sobre a promessa de efetuar ataques na Rússia profunda; as palavras de Nuland sobre a atribuição de verbas suplementares para causar “nasty surprises” ao Sr. Putin; as declarações do general Malyuk chefe do inteligência ucraniana a assumir os assassinatos na Rússia de Daria Dugina, Vladen Tatarsky, Motorola, etc.

Para o sr. Quim nada disto é estranho, aliás é muito normal, que ainda não tivesse passado uma hora do início do atentado e já os EUA ilibassem a Ucrânia.

Para o sr. Quim não é estranho os EUA não terem conseguido até hoje identificar os autores da destruição do NordStream, mas saberem, sem qualquer hesitação e dúvida, que a Ucrânia não tinha nada a ver com o ataque. Tudo normal para o Sr. Quim. Nada a questionar. Mais normal do que isto é impossível.

Para o sr. Quim devem ter sido os russos que destruíram o Nordstream, e atacaram a central nuclear de Energodar. E que estiveram por detrás do ataque em Moscovo. Mais uma vez o Clausewitz saiu-lhe do corpo para iluminar o seu pensamento.

Para esta alforreca bem comportadinha, que engole sem pestanejar todas as tretas que lhe colocam à frente, os terroristas foram apanhados mais próximos da Bielorrússia e o presidente Lukashenko como é estúpido até declarou publicamente que os ia receber.

O sr. Quim não deve ter andado nos escuteiros, nem foi à tropa porque notoriamente não sabe ler mapas da estrada. Isto lembra-me o Allan e Barbara Pease quando se interrogavam porque é que “elas não sabem ler mapas da estrada”. O que disse o sr. Quim é factualmente falso. É um intrujão. Os terroristas foram apanhados a sul de Bryansk, na estrada que conduz á Ucrânia, tendo deixado a alguns quilómetros para trás a bifurcação que conduzia para oeste, na direção da Bielorrússia. É mentira que quando foram presos estivessem mais perto da Bielorrússia do que da Ucrânia. Mentiu em horário nobre sem contraditório.

O Sr. Quim não percebeu que a Rússia não precisava deste atentado nem de fabricar pretextos para justificar fosse o que fosse, em particular aumentar os ataques na Ucrânia.

Vem falar do Daesh… ó Sr. Quim, não foi o Daesh que reivindicou o ataque, foi o IS-K. Ó Sr., o Daesh e o IS-K não são a mesma coisa. O último foi uma criação dos norte-americanos para combater os talibãs e os russos. Não reparou que o IS-K nunca atacou os americanos?! Depois do que está a acontecer no Médio oriente, da chacina de muçulmanos em Gaza vão escolher este momento para atacar os russos?! Para ele os maus são todos iguais… islâmicos, Daesh, IS-K. São maus, pronto!

Não causa estranheza ao sr. Quim que os terroristas do IS-K não tenham cometido martírio, que estivessem mais interessados nos dólares do que no descanso eterno junto das 72 virgens, que não tenham levado cintos para se fazerem explodir, que se tenham deixado prender, etc. nada consistente com o que fazem os jihadistas que pertencem ao ISIS. Deve ser o impacto da geração “Z” nos jihadistas, que só o Sr. Quim vislumbrou. Nada disto lhe causa interrogações. É tudo normal, o que é natural porque o Sr. Quim está a meter-se em matérias que não domina e a dar o flanco.

A história que inventou não corresponde ao que foi dito, em particular por mim. Eu disse reiteradamente numa entrevista na CNN que as dúvidas que eu estava a levantar não significavam que estivesse a dizer que tinha sido a Ucrânia, ou que não tivesse sido o IS-K a cometer o atentado terrorista. Limitei-me a enunciar uma série de questões válidas na altura e agora, coisa que o recém autoempossado especialista em assuntos militares não faz, porque é um aldrabãozito confabulatório.

Já agora que me chama Putinista, apesar de não ter referido o meu nome, desafio o Sr. Quim a referir em que situação escrevi ou me pronunciei em defesa do regime de Putin. Basta uma. Não alinho é na desinformação em que o Sr. Quim não só alinha como promove.

Não posso deixo de assinalar ao iluminado ensaísta e foto biógrafo, sem o querer assustar, que o grupo dos “putinistas” se tem vindo a alargar. Num destes dias, Elon Musk publicou um post no seu mural do “X”, que corresponde na íntegra ao que tenho vindo a dizer há dois anos, e passo a citar:

“Foi um trágico desperdício de vidas para a Ucrânia atacar um exército maior que tinha defesa em profundidade, campos minados e uma artilharia mais forte, quando a Ucrânia não tinha blindagem nem superioridade aérea. Qualquer idiota poderia ter previsto isto [Penso que o Sr. Quim pode ser incluído na lista dos idiotas do Elon Musk]. A minha recomendação, há um ano, era que a Ucrânia se entrincheirasse e aplicasse todos os recursos na defesa. Mesmo assim, é difícil manter um território que não tenha fortes barreiras naturais. [quantas vezes eu disse isto]. Não há qualquer hipótese de a Rússia conquistar toda a Ucrânia, uma vez que a resistência local seria extrema no Oeste, mas a Rússia ganhará certamente mais terreno do que tem atualmente. Quanto mais a guerra se prolongar. Quanto mais tempo durar a guerra, mais território a Rússia ganhará, até atingir o Dniepre, que é difícil de ultrapassar. No entanto, se a guerra durar muito tempo, Odessa também cairá. Se a Ucrânia perde ou não todo o acesso ao Mar Negro é, a meu ver, a verdadeira questão que resta. Recomendo uma solução negociada antes que isso aconteça.”

Quando eu falava das baixas ucranianas era acusado de propagandista do Kremlin. A insuspeita Elena Zelenskaya, esposa do presidente ucraniano Zelensky, publicou um texto disponível no site da presidência ucraniana, em que diz o seguinte, e passo a citar:

“Apenas um quarto dos inquiridos [ucranianos] afirma ter reparado em pessoas com deficiência em locais públicos. Na realidade, oficialmente, são apenas três milhões. E cerca de 300.000 foram acrescentadas nos últimos dois anos devido a invasões hostis.”

O seu ódio à Rússia deve vir-lhe dos tempos em que adorava o grande líder Mao. Esses preconceitos afetaram-no cognitivamente e impedem-no de perceber a natureza do presente conflito na Ucrânia, que não é um combate das democracias contra as autocracias. Até o Alto Representante da União Europeia para a política externa Josep Borrel já percebeu isso. O sr. Quim anda a discutir regimes sem ter percebido ao final de dois anos que não se trata de uma luta entre regimes. Nada que eu não tenha vindo a dizer. E, passo a citar:

“Não podemos deixar a Rússia vencer esta guerra. Caso contrário, os interesses dos Estados Unidos e da Europa sofrerão enormemente. Não se trata apenas de generosidade. Não se trata de apoiar a Ucrânia porque amamos os ucranianos. Isto é do nosso próprio interesse. E é também do interesse dos Estados Unidos como ator global – um ator que quer ser visto como um parceiro responsável pela segurança dos seus aliados”.

O sr. Quim integra o grupo daqueles que dizem que a economia da Rússia é fraca [mas sobreviveu a 13 pacotes de sanções durante uma guerra], que Putin é impopular [mas obteve 80% dos votos], que a Rússia está isolada [mas mais 32 países querem juntar-se aos BRICS], que as forças armadas russas são fracas, as armas são velhas e os soldados não têm formação [mas o Ocidente inteiro não as consegue vencer], mas ainda não percebeu que anda a ser endrominado por propaganda.

Uma nota final, que a prosa já vai longa para responder à ignorância e aos problemas cognitivos demonstrados pelo Sr. Quim quando refere aquele arrazoado impercetível sobre o Exército português que está na NATO e este tipo de oficialato. Não sabe do que fala. Já agora fique a saber que desempenhei dois cargos de Alta direção na NATO por eleição (não por nomeação), sempre respeitado pelos meus pares. Num deles, fui condecorado (muito poucos o foram) pelo presidente Karzhai do Afeganistão. Por isso, não aceito dichotes de alforrecas de pacotilha.

O que distingue os verdadeiros intelectuais é aquilo a que alguém chama consciência crítica. Observam o mundo com um olhar de oposição ou, pelo menos, com um olhar independente, nada devendo aos poderes instituídos.

O anafado e bem instalado sr. Quim é daqueles ex-revolucionários maoístas que optou por se integrar no conforto do sistema. Como os cristãos-novos tem de ser mais papista do que o papa para ser aceite pelo establishment. O problema da subserviência passa a funcionar por reflexo condicionado.

Não me choca que o Sr. Quim por questões instrumentais – afinal tem de colocar o pão em cima da mesa – abraçasse o establishment para fazer carreira e o pensamento situacionista. Mas ó sr. Quim, já está reformado, já não é preciso rejeitar a consciência crítica que desonesta e covardemente pinta por “idiotices”.

O sr. Quim é um socializado, um pretenso senador de um cinzentismo acomodado, que se ilude a si mesmo. Assim fica mais fácil justificar a si próprio a sua submissão ideológica. Andará pelos cuidados paliativos e ainda procurará um reconhecimentozinho, uma sinecurazinha.

A intervenção do Sr. Quim no referido programa foi uma vergonha. Mentiu, mostrou ignorância. Dedique-se aos ensaios, vá à Torre do Tombo arranjar mais umas fotografias para o próximo livro, aquilo que sabe razoavelmente fazer, e deixe os outros em paz. Aconselho a que se despache porque o programa da metadona está em risco. Aproveite enquanto é tempo.

Comentários

Gabi disse…
subscrevo o artigo
Zé Escorpião disse…
Tenho acompanhado os seus comentários que considero isentos. Infelizmente são uma gota de água na imensidão dos oceanos da desinformação que grassa pelos midia. A última anedota do restabelecimento do serviço militar obrigatório brada aos céus.....
URPIT disse…
Obrigado Sr. General, com esta sua "lição" senti que fiquei sem um peso de indignação que me atormentava em relação ao quim. Obrigado Senhor General Carlos Branco
Maria Pires disse…
Excelente Senhor Major-General!
Parabéns!
Também vi o programa.
Tão asqueroso a intervenção dessa criatura...
É preciso levar os pequenos até ao seu lugar. Mas é uma tarefa cansativa tomar conta de crianças de 5 de 10 de 20... e è simplesmente impossível andar com eles ao colo.
Pela sua visão esclarecida, pela exigência da sua análise, pelo rigor dos seus comentários. Fico grato. Bem haja!
Adérito disse…
Gostei muito do artigo escrito pelo senhor General.
Já relativamente ao "quim" o que tenho a dizer, é que sempre que ele fala, já sei que dali não vem coisa boa. Aliás, quando a Raquel intervém, o "quim" está está sempre a torcer o nariz e com ar de gozo. Quando ele fala, ou tiro o som, ou mudo de canal.

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