Quo Vadis ética e deontologia jornalística?
A “entrevista” do dia 10 de
julho, na CNN, com Pedro Bello Moraes (PBM), que se tornou viral nas redes
sociais, trouxe à liça três temas incontornáveis relacionados com o
comportamento profissional do jornalista em causa: a falta de ética, a duvidosa
deontologia jornalística e a desonestidade intelectual.
Iniciarei este artigo respondendo
às perguntas que me foram feitas na dita “entrevista”, uma vez que não o
consegui fazer na devida altura, para de seguida elaborar sobre os três temas
atrás mencionados. Devo referir, logo à partida, que não me revejo no tipo de "jornalismo"
abraçado por PBM, que recorre ao escândalo e à gritaria para atrair audiência.
Há cadeias de televisão que professam esse “jornalismo,” mas não é bem nisso
que estará interessado o segmento de mercado que a CNN pretende atingir.
A “entrevista”
PBM revelou uma imensa impreparação,
como aliás tem acontecido, demasiadas vezes, noutras ocasiões. É difícil a um
entrevistado responder às perguntas, quando PBM se sobrepõe sistematicamente,
de modo grosseiro, com uma enorme necessidade de mostrar que sabe e que tem
opinião sobre o assunto.
Quando suspeita que a resposta
não é do seu agrado, interrompe, fala por cima e escarnece do que os
entrevistados dizem. PBM tem dificuldade em lidar com alguns princípios básicos
do jornalismo, como adiante veremos; não é suposto que um pivô impeça/sabote e
comente negativamente o discurso de quem pensa aquilo de que ele não gosta. Na
prática, comporta-se como um censor. Apreendeu pouco do que lhe ensinaram nos
bancos da extinta Universidade Independente.
Porque é que digo que PBM é
impreparado e não sabe do que falava? Tomando como referência quatro dos assuntos
da famigerada “entrevista”: 1. A alteração da posição de Zelensky sobre a posição
do Vaticano relativamente ao papel do Papa na mediação do conflito ucraniano; 2.
A quarta conferência para a reconstrução da Ucrânia; 3. As considerações sobre
a minha alegada posição relativamente à Ucrânia; 4. O isolamento internacional
da Rússia.
Muito haveria a dizer sobre o
papel das igrejas e das elites religiosas na mediação de conflitos, que PBM mostrou
desconhecer. A situação está profundamente estudada pela Academia. Não deixa de
ser importante analisar a alteração da posição de Zelensky relativamente à
mediação do conflito ucraniano pelo Papa, inicialmente de repúdio, para posteriormente
pedir a sua intervenção. A explicação exigiria algum tempo (farei um artigo sobre
esse assunto), mas a verdade é que não foi possível elaborar sobre o tema,
porque PBM não gostou da primeira fase da minha resposta e boicotou a
continuação da mesma. De uma forma geral, podemos dizer com elevada certeza,
goste ou não PBM, que a alteração da posição de Zelensky sobre a matéria se deveu
à crescente fraqueza e ao progressivo isolamento político em que se encontra.
PBM desconhece as premissas
básicas dos processos de reconstrução pós-conflito. Como é sobejamente
conhecido, recorrendo mais uma vez à Academia, não há reconstrução e
desenvolvimento sem segurança, e vice-versa. As conferências de doadores
ocorrem normalmente após o processo de paz ou no seu decurso, quando já são
claros os termos/contornos da solução política, não quando se está longe de se
saber o que vai acontecer.
Como é sabido, estamos muito distantes
de uma solução política para o conflito ucraniano e, consequentemente, dos seus
contornos. Por todas as razões, estas conferências, com o fito da reconstrução,
são irrelevantes e extemporâneas, como se pode concluir das conclusões a que se
chegou. Os participantes acabaram a falar de sanções… à Rússia. Não deixa de ser
fantástico, paralelamente a essa conferência, a BlackRock liderar, não uma
conferência de doadores, mas o sindicato dos investidores. O manifesto recuo
desses investidores e a ausência de resultados tangíveis é a prova provada da
inutilidade dessas conferências, como fiz questão de sublinhar, onde os amigos
se encontram e dão muitos beijos e abraços. PBM impediu que isto fosse
explicado, talvez pela dificuldade em perceber a nuance entre investidores e
doadores.
PBM atingiu o clímax da rudeza
quando teve a aleivosia, sem disfarçar a camisola que veste e de modo
completamente despropositado, de criticar e fazer um julgamento sobre aquilo
que ele pensa ser a minha posição sobre a causa ucraniana:
“… sempre que o oiço, isto é
factual, qualquer iniciativa pró ucraniana o sr. general esvazia-a, como
ausente de sentido, inconsequente, precipitada, sempre, é a sua linha de
raciocínio e de abordagem”.
Não vale a pena perder tempo a
comentar a infelicidade destas observações. Talvez PBM quisesse que eu dissesse
que a Ucrânia vai vencer a guerra, reconquistar o Donbass e que graças aos
financiadores da BlackRock e ao acordo dos minerais vai ser um país independente
e soberano, que não perdeu 40% da sua população ativa, que não há mobilização
forçada nas ruas (busification), etc. Mas isso eu não vou dizer, porque pauto a
minha conduta por critérios éticos diferentes dos de PBM. Não minto às pessoas,
certifico as fontes, coisa que ele não faz. Por outro lado, PBM tem de fazer uma
atualização da sua base de dados de “clichés”. O da Rússia estar isolada é chão
que já deu uvas. Nenhum propagandista com “dois dedos de testa” o continua a usar
para não cair no ridículo.
Os equívocos éticos e
deontológicos de PBM
Ao longo destes dois últimos anos, PBM tem vindo, nos seus programas, a sonegar ao público informação relevante para a compreensão do conflito na Ucrânia, apenas por não ser abonatória da causa que ele abraça. Entre muitos outros temas…
Foi tabu nos programas da sua responsabilidade
abordar temas como o da corrupção na Ucrânia e da investigação jornalística que
indiciou Zelensky (Pandora papers) e o seu círculo próximo; veja-se agora a
decisão de Zelensky de assinar uma lei que retira poderes ao principal órgão
anticorrupção da Ucrânia; a importância política dos grupos neonazis; as baixas
ucranianas em combate; a mobilização forçada (busification) em que os
mobilizadores agridem e torturam as pessoas que apanham na rua; os passos de Zelensky
em direção a um autoritarismo corrupto (parece não ser algo exclusivo da
Rússia); as lutas intestinas entre a elite política ucraniana; a notória e
pública perda de fé dos ucranianos em Zelensky. etc. Tudo isto já presente na
comunicação social ocidental, em particular na norte-americana e britânica.
Porque será?
Progressivamente, aquilo que,
por conveniência e/ou cumplicidade com os poderes instalados, foi sonegado à
opinião pública, vai sendo tornado público confirmando quase na íntegra o que
tenho vindo a dizer e a escrever há muito tempo. O tapete começa a fugir
debaixo dos pés de quem, como PBM, omite a discussão de factos decisivos. Beneficiando
da posição privilegiada de pivô, PBM bloqueou sistematicamente a possibilidade
de serem discutidos assuntos importantes, como os atrás referidos. Não lhe era
conveniente.
Só aqueles que se preocupam
com os factos e com a descoberta da verdade – e não com dogmas e propaganda – serão
capazes de desmistificar os sinais mais do que evidentes de que a Ucrânia está
a sofrer perdas ímpias e insustentáveis. O que irá dizer PBM quando se tornar
impossível escamotear, por exemplo, a forma desonesta como foi escondida do
público a verdadeira dimensão das baixas ucranianas?
PBM tem uma cosmovisão provinciana.
E eu já estou farto das “tretas” do fantasma de Kiev, das peúgas dos soldados
russos e dos cancros do Putin, da falta de munições dos russos, dos ataques
russos à central de Energodar e às suas próprias tropas, quando era mais do que
óbvio de onde vinham as granadas; os crematórios móveis russos para esconderem
as baixas, a economia russa a soçobrar na próxima semana, os ataques russos com
trotinetas porque já não têm carros de combate, o envio de soldados com muletas
para a frente de combate, etc.
Para ele, tudo o que vem do
Governo ucraniano, do Instituto do Estudo da Guerra, a instituição governada
pela família dos neoconservadores Kagan, ou dos serviços secretos ingleses, é inquestionável.
Para ele é herético e condenável suscitar interrogações, questionar a mentira óbvia,
perturbar os seus dogmas e as suas verdades. Para PBM análise é quando o
analista corrobora as suas perguntas, antecedidas de longas introduções, com a
resposta já incluída. Mas PBM não é o Inquisidor-mor nem os seus programas são sessões
do tribunal do Santo Ofício.
Dá-se o caso de PBM andar com
o passo trocado. A comunicação social ocidental de referência — antes
ferozmente leal a Zelensky — começou a publicar abertamente histórias sobre
corrupção, autoritarismo e incompetência dentro do regime ucraniano. Essas
mesmas acusações eram antes descartadas como “propaganda russa”. Agora, são
notícias de primeira página. O que vem reforçar a justeza das dúvidas que tenho
vindo a levantar. Pelo contrário, PBM tem alinhado descaradamente nos seus
programas na propagação da mentira, tratando a sua audiência como débeis mentais.
Como disse um antigo alto funcionário da Administração de Zelensky, “se a guerra continuar, em breve não haverá mais Ucrânia pela qual lutar… Zelensky está a prolongar a guerra para se manter no poder.” “Todos os que participaram na propagação desta ilusão partilham essa responsabilidade”. É o caso de PBM e da sua adesão patológica à mentira.
Agora, com três anos de
atraso, começa a haver na Ucrânia quem venha corroborar o que tenho vindo a
dizer. “A Ucrânia é um peão dispensável num jogo americano... Trump, Putin, Xi
[que vão] gastar-nos [à Ucrânia] como trocos, se precisarem.” Sempre tive a
noção disto e expressei-o em múltiplas ocasiões, contrariando a tese da luta
entre as democracias e as autocracias, que PBM tanto adora.
Como disse um antigo ministro
ucraniano, outrora um forte apoiante de Zelensky, "A Ucrânia tem dois
inimigos, dois “Vladimir”: Zelensky e Putin, Putin está a destruir a Ucrânia a
partir do exterior, mas Zelensky está a destruí-la a partir do interior,
destruindo a sua vontade de lutar e o seu moral.” Afinal, o apoio a Zelensky
está longe de ser aquele que a propaganda nos quer convencer, contrariando a
inquebrantável e acrisolada fé de PBM no decrépito regime instalado em Kiev.
Mais tarde ou mais cedo, PBM terá de se confrontar com a realidade. E nessa altura cá estaremos para verificar quem tem faltado à verdade, quem tem revelado falta de ética e desonestidade intelectual. Pensar não é sacrilégio nem heresia, nem PBM decide quem vai para a fogueira. Questionar os dislates de PBM não é ser pró-russo nem pró-Putin (o que quiserem, tanto faz), mas ser intelectualmente honesto, aquilo que PBM não é, e contestar o atestado de debilidade mental, que ele nos seus programas nos quer passar. Continuo convicto de que não pode valer tudo por causa das audiências.
Comentários
Acredito que esta vergonha que foi transmitida (sim, porque nem de entrevista se pode qualificar), tenha sido encomendada por "patrocinadores", visto termos assistido a um espetáculo semelhante exatamente com o mesmo "Bello" no dia anterior mas direcionada ao MG Agostinho Costa.
Obrigado pelas sensatas e completamente imparciais (ao contrario do que dizem) analises que foi fazendo na CNN e que tanto prazer deram em acompanhar, porque vivemos do lado do mundo em que ser imparcial é ser "putinista" ou "pro-putin".
Infelizmente de democracia e liberdade de expressão temos cada vez menos com a tamanha censura e propaganda que nos assola todos os dias disfarçada de informação.
Um grande abraço MG Carlos Branco e assim que tiver um novo espaço de comentário\análise, avise-nos! que de "ZELENSKy É LINDO E FOFO" estamos nós fartos.