OS PUTINISTAS CHARLATÃES (DOIS)

 



Este é o segundo (e último) texto que escrevo (pode ser lido independentemente do primeiro), em resposta à peça de Maria Henrique Espada (MHE), publicada na Revista Sábado, no dia 31 de março de 2022, com o título “Os Militares. E ao menos acertam? Nem por isso”, em que procura desacreditar as declarações de três majores-generais à luz da “realidade”, que ela própria construiu. A autora apresenta excertos do “Major-General” e depois procura contrastar com a (sua) realidade, como se a sua realidade fosse a verdade absoluta, suprema e incontestável.

Não deixa de ser curioso este exercício sobre os prognósticos destes três majores-generais, condenados na praça púbica, em várias circunstâncias, por delito de opinião. A seleção criteriosa dos excertos, à semelhança de outros devaneios críticos, apresenta a mesma impreparação e desconhecimento de outras tentativas de descrédito. Desmontarei a “realidade” inventada por MHE, apenas naquilo que na peça me diz respeito.

Eu disse (28 de fevereiro, CNN Portugal)

“[Sobre o apoio ocidental] é uma operação logística extremamente complexa e de resultados duvidosos, uma vez que as forças russas controlam os acessos a Kiev, neste caso em particular, e controlam as entradas no país. Tenho muitas dúvidas sobre o sucesso desta operação de apoio.”

MHE contrapõe:

“A operação de apoio foi bem-sucedida. A Rússia ainda não controla, um mês depois destas declarações, as entradas no país, nem controlou nunca todos os acessos em Kiev. Chegaram à Ucrânia drones Bayraktar TB2, misseis Stinger e Javelin, e. agora helicópteros Mi-17. Etc. Tudo somado, na ordem das dezenas de milhares.”

A minha resposta

MHE está confusa e baralhada. Uma coisa foi a ajuda militar proporcionada ao longo dos anos à Ucrânia, a partir de 2014, que serviu para se preparar para o confronto com os separatistas no Donbass (não é por acaso que aí se concentrou o grosso das suas forças), outra coisa é a ajuda militar proporcionada em pleno conflito, depois de iniciadas as hostilidades. O meu comentário refere-se ao segundo caso, a “realidade” de MHE refere-se não sei bem a quê. Talvez ao primeiro. “A operação de apoio foi bem-sucedida"? qual? a primeira ou a segunda? MHE sabe quantos helicopteros foram fornecidos à Ucrânia pelas potências estrangeiras depois de iniciadas as hostilidades? Se sabe, devia ter partilhado essa informação com os leitores. Ou é sim porque sim?!

Mesmo assim vou continuar a esclarecer. A esmagadora parte dos Bayraktar TB2, misseis Stinger e Javelin, adquiridos/dados por potências estrangeiras à Ucrânia chegou ao país antes de se iniciar o conflito, e não depois. Se o fornecimento desse equipamento militar em plena campanha militar tivesse correspondido às expetativas dos ucranianos, Zelenski não estaria permanentemente a queixar-se da sua falta. Não teria lamentado na Cimeira da NATO, o facto de a Ucrânia estar à espera havia 31 dias por essa assistência (https://rr.sapo.pt/noticia/mundo/2022/03/27/o-que-esta-a-apanhar-po-zelensky-pede-1-dos-tanques-e-avioes-da-nato/277980).

O equipamento que a Ucrânia pede e necessita não era para ser utilizado primordialmente em Kiev, mas nos locais onde se combate, onde é mais preciso. Talvez MHE tenha uma maneira milagrosa de fazer chegar esse equipamento, por exemplo, às unidades cercadas em Mariupol ou no Donbass. Se tem, que explique aos ucranianos. Eles iriam gostar de saber.

MHE não sabe que o controlo de uma região se pode fazer de várias maneiras (para além da presença física, pode ser feito por vigilância, fogos, etc.). O controlo de uma região não se faz exclusivamente pela presença física. Para reforçar as minhas “muitas dúvidas sobre o sucesso desta operação de apoio”, podíamos acrescentar a destruição de uma fábrica de manutenção de aviões perto de Lviv. Mesmo que os helicópteros venham desmontados, será agora muito mais difícil colocá-los a operar. Será certamente, muito mais moroso (https://sicnoticias.pt/mundo/conflito-russia-ucrania/varias-explosoes-perto-do-aeroporto-de-lviv). E já agora, na linha das “realidades” de MHE, recordo os acontecimentos na base militar de Yavoriv (https://en.wikipedia.org/wiki/Yavoriv_military_base_attack).

 Eu disse (15 de março, CNN Portugal)

“O caso mais crítico nesta altura parece ser Mariupol. E parece que Mariupol é capaz de estar por horas. Provavelmente amanhã teremos novidades relativamente a Mariupol”

MHE contrapõe:

“Há duas semanas, a queda de Mariupol não estava por horas.”

A minha resposta

Como é explicito nas minhas palavras, o “prognóstico” foi muito cuidadoso, e cheio de condicionalismos. Não foi uma afirmação. “Parece”, “é capaz de” ou “provavelmente”, não são afirmações. Um dos elementos desse condicionalismo tinha a ver com a adesão dos combatentes ucranianos em Mariupol a uma proposta russa de rendição, que nessa altura se perspetivava que pudesse ocorrer (como aconteceu hoje com a rendição de mais de 260 fuzileiros). O “provavelmente amanhã teremos mais novidades,” tinha a ver com essa ocorrência, que não se verificou. Os comentários de MHE são mesmo difíceis de atingir.

Eu disse (15 de março, CNN Portugal)

“Este movimento [do ataque russo]. Até agora, tem-se limitado apenas a ataques aéreos perfeitamente identificados, alvos militares, digamos alvos legítimos”

MHE contrapõe:

Quatro dias antes, já o alto comissariado da ONU para os Direitos Humanos dizia que “os civis estão a ser mortos e feridos no que parecem ataques indiscriminados, através de misseis, artilharia pesada e ataques aéreos” em áreas residenciais e incluindo em “escolas, hospitais e creches”

A minha resposta

A resposta seria muito longa. Ficam apenas duas fotografias de unidades ucranianas numa escola/infantário (ver no início do texto. A legenda em russo significa mais ou menos isto: horas de descanso para os rapazes que estão cansados e sem canção de embalar). Quantas dezenas de imagens/vídeos quer MHE mais, para lhe provar que as forças ucranianas usaram zonas residenciais para combater? Atenção que não estou a fazer um juízo de valor sobre esse comportamento. Estou apenas a sublinhar que aconteceu, sem qualquer margem de dúvida. A evidência é tanta, que só posso ter pena da pobreza argumentativa de MHE. Faça zapping e talvez ainda consiga as imagens do centro comercial em Kiev, que servia de “garagem” militar, ou de militares ucranianos no topo de prédios em posições de tiro armados com Javelines.

Eu disse (22 de março, CNN Portugal)

“As forças do batalhão Azov querem manter os civis dentro da cidade como escudos humanos. Houve troca de tiros entre as forças ucranianas e o batalhão Azov, inclusivamente houve um tenente-general das forças ucranianas que foi morto.”

MHE contrapõe:

Foi impossível encontrar qualquer fonte ocidental com referência a este evento ou outro semelhante. Encontra-se apenas uma publicação no Ministério da Defesa Russo, qua ainda assim fica aquém, e segundo a qual “apesar de todos os esforços de corredores humanitários pelos Ministérios da Defesa, as unidades de combate neonazis em Mariupol impedem a saída de civis, usando-os como escudos humanos”.

A minha resposta

Então para MHE só as fontes ocidentais são boas?! As outras não prestam? Há fontes enviesadas (russas), e fontes idóneas (ocidentais)? Só são idóneos os relatos da Christiane Amanpour mesmo quando, dentro do estúdio, surge com carros de combate a passar atrás dela, como se estivesse a viver o frenesim do campo de batalha, da linha da frente?

A propósito, ver a sátira feita sobre o assunto em Wag the Dog (https://www.imdb.com/video/vi42121497/?playlistId=tt0120885&ref_=vp_rv_ap_0)?

O general em causa, de nome Yuriy Sodol, na verdade não morreu, ficou apenas ferido no contexto dos acontecimentos que referi. A informação que proporcionei não estava correta, mas sim a situação militar que provocou os ferimentos.  

(https://tsargrad-tv.turbopages.org/tsargrad.tv/s/news/zachem-vsu-udarili-po-shtabu-azova-ukrainskie-voennye-mstjat-boevikam-nacbata-za-rasstrely-basurin_506254), ou ainda (https://darik.news/en/ukrainian-troops-deal-a-deadly-blow-with-point-u-on-their-nationalists-from-azov-video.html). Parece só ser possível saber quem morre no lado ucraniano quando são condecorados postumamente. https://en.lb.ua/news/2022/03/01/9573_zelensky_awarded_12_defenders.html.

Não me parece de todo uma decisão condenável. Faz parte da guerra proteger informação, de modo a não afetar o moral dos combatentes. Mas temos de perceber que quando os contendores não abordam certos acontecimentos, normalmente desfavoráveis, não significa que estes não tenham ocorrido. 

A utilização de civis em Mariupol como escudos humanos está bastante documentada. Aqui vai apenas um caso (https://youtu.be/rLZ2ZzoD-W0). Quantos mais quer MHE? Para jornalista ficava-lhe bem mais alguma independência, e sentido crítico. Viver em democracia significa ser tolerante com a mediocridade.

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