OS CHARLATÃES PUTINISTAS (UM)
Este é o
primeiro texto que escrevo em resposta a uma peça de Maria Henrique Espada (MHE), publicada na Revista Sábado, no dia 31 de março de 2022, com o título
“Os Militares. E ao menos acertam? Nem por isso”, em que procura desacreditar as
declarações de três majores-generais à luz da “realidade”, que ela própria
construiu. A autora apresenta excertos do “Major-General” e depois procura contrastar
com a (sua) realidade, como se a sua realidade fosse a verdade absoluta, suprema
e incontestável.
Não deixa
de ser curioso este exercício sobre os prognósticos destes três
majores-generais, condenados na praça púbica, em várias circunstâncias, por
delito de opinião. A seleção criteriosa dos excertos, à semelhança de outros
devaneios críticos, apresenta a mesma impreparação e desconhecimento de outras
tentativas de descrédito. Desmontarei a “realidade” inventada por MHE, apenas naquilo
que na peça me diz respeito.
Dada a seriedade do assunto, e a sua dimensão, farei o contraditório em vários textos, sendo este o primeiro.
Eu disse (11 de fevereiro, Jornal de negócios)
“Os russos não estão interessados em invadir a Ucrânia. Só o farão in extremis. O dispositivo que está no terreno tem uma finalidade: proteger a população russa-ucraniana em caso de ataque. O regime instalado em Kiev é democraticamente deficitário. A “revolução ucraniana” de 2014 pôs neonazis no poder.”
MHE contrapõe:
“No dia 24 [fevereiro], o “dispositivo” que estava no terreno invadiu a Ucrânia. O regime “instalado em Kiev” foi democraticamente eleito em 2019. O governo pós-Euromaidan incluiu, como segundo partido, o Svoboda, de origem neofascista, mas que por essa altura, de acordo com observadores internacionais se tinha democratizado. Também havia judeus no executivo. O rabi de Kiev disse ao Guardian em 2014, no consulado do novo governo a quem o Kremlin chamava nazi, que, estando em contacto com “comunidades judaicas em toda a Ucrânia, não há relatos de declarações antissemitas.”
A minha resposta
Vários especialistas, nos quais me incluo, oriundos de organizações insuspeitas (por exemplo, https://www.atlanticcouncil.org/blogs/new-atlanticist/why-putin-wont-invade-ukraine) pensavam NESSA DATA (11 de fevereiro), que a Rússia não iria invadir a Ucrânia, nos termos em que o fez. A avaliação da situação alterou-se com o discurso de Zelenski na conferência de segurança de Munique (19 de fevereiro, onde manifestou a intenção de renunciar ao protocolo de Budapeste, abdicar da sua neutralidade, abrindo a possibilidade de a Ucrânia se rearmar nuclearmente, https://kyivindependent.com/national/zelenskys-full-speech-at-munich-security-conference), e a resposta de Putin (21 de fevereiro, https://www.youtube.com/watch?v=X5-ZdTGLmZo), em que reconhece a independência das repúblicas de Donetsk e Lugansk, argumentando que “tem todo o direito de tomar medidas de retaliação para assegurar a nossa segurança [da Rússia]. É exatamente isso que faremos.” (basta ouvir ou últimos cinco minutos). Ficou claro no discurso de Putin, que este iria para a guerra. Após este conspícuo momento percebeu-se claramente que a situação se tinha alterado, e que os esforços diplomáticos tinham falhado. O in extremis por mim referido era exatamente esta situação. Por ignorância ou sacanagem, MHE não introduz estes dados cruciais no seu cálculo. Testar análises de 11 de fevereiro omitindo dados decisivos posteriores é desonestidade intelectual.
Dada a seriedade do assunto, e a sua dimensão, farei o contraditório em vários textos, sendo este o primeiro.
Eu disse (11 de fevereiro, Jornal de negócios)
“Os russos não estão interessados em invadir a Ucrânia. Só o farão in extremis. O dispositivo que está no terreno tem uma finalidade: proteger a população russa-ucraniana em caso de ataque. O regime instalado em Kiev é democraticamente deficitário. A “revolução ucraniana” de 2014 pôs neonazis no poder.”
MHE contrapõe:
“No dia 24 [fevereiro], o “dispositivo” que estava no terreno invadiu a Ucrânia. O regime “instalado em Kiev” foi democraticamente eleito em 2019. O governo pós-Euromaidan incluiu, como segundo partido, o Svoboda, de origem neofascista, mas que por essa altura, de acordo com observadores internacionais se tinha democratizado. Também havia judeus no executivo. O rabi de Kiev disse ao Guardian em 2014, no consulado do novo governo a quem o Kremlin chamava nazi, que, estando em contacto com “comunidades judaicas em toda a Ucrânia, não há relatos de declarações antissemitas.”
A minha resposta
Vários especialistas, nos quais me incluo, oriundos de organizações insuspeitas (por exemplo, https://www.atlanticcouncil.org/blogs/new-atlanticist/why-putin-wont-invade-ukraine) pensavam NESSA DATA (11 de fevereiro), que a Rússia não iria invadir a Ucrânia, nos termos em que o fez. A avaliação da situação alterou-se com o discurso de Zelenski na conferência de segurança de Munique (19 de fevereiro, onde manifestou a intenção de renunciar ao protocolo de Budapeste, abdicar da sua neutralidade, abrindo a possibilidade de a Ucrânia se rearmar nuclearmente, https://kyivindependent.com/national/zelenskys-full-speech-at-munich-security-conference), e a resposta de Putin (21 de fevereiro, https://www.youtube.com/watch?v=X5-ZdTGLmZo), em que reconhece a independência das repúblicas de Donetsk e Lugansk, argumentando que “tem todo o direito de tomar medidas de retaliação para assegurar a nossa segurança [da Rússia]. É exatamente isso que faremos.” (basta ouvir ou últimos cinco minutos). Ficou claro no discurso de Putin, que este iria para a guerra. Após este conspícuo momento percebeu-se claramente que a situação se tinha alterado, e que os esforços diplomáticos tinham falhado. O in extremis por mim referido era exatamente esta situação. Por ignorância ou sacanagem, MHE não introduz estes dados cruciais no seu cálculo. Testar análises de 11 de fevereiro omitindo dados decisivos posteriores é desonestidade intelectual.
Pensava-se que a pressão diplomática de Moscovo (uma carta enviada para Washington propondo-lhe um tratado de paz, e outra para Bruxelas) conjugada com a demonstração de força nas fronteiras com a Ucrânia pudessem ultrapassar o impasse de 20 anos de política de porta aberta da NATO, e dos oito anos de ouvidos de mercador relativamente à implementação dos acordos de Minsk.
Mas os pedidos de garantia securitária foram rejeitados pelos EUA e pela NATO, não havendo lugar a qualquer entendimento. Nem a shuttle diplomacy de Macron e Sholtz, na primeira quinzena de fevereiro de 2022, conseguiu obter de Kiev uma declaração de respeito pelos acordos de Minsk.
Teria sido muito mais profícuo que MHE se tivesse interrogado, perante as evidências surgidas a partir de 21 de fevereiro, de que iria haver guerra em qualquer momento, sobre o que Washington e Bruxelas fizeram para a evitar. Houve um compasso de 72 horas em que a guerra podia ter sido evitada. Optaram por não fazer nada.
Relativamente ao outro assunto das “realidades” de MHE. Associando-se a alguma intelectualidade nacional, deixa subjacente que o neonazismo na Ucrânia é uma invenção de Putin. MHE teve o descaramento de nos vir dizer que o Svoboda, graças a uns observadores internacionais, que ela conhece, se tinha democratizado, se tinha tornado assim numa espécie de nazis democráticos, nazis fofinhos. Para quem tenha dúvidas leia (https://www.publico.pt/2020/06/21/mundo/noticia/ucrania-campo-treino-militar-extremadireita-mundial-1921065, e já agora as ligações do batalhão Azov com a extrema-direita portuguesa), ou veja (https://www.youtube.com/watch?v=XAWedhn1kBk), entre muita outra coisa disponível. Refiro-me às milícias neonazis que punham a polícia e as forças de segurança ucranianas em sentido, e que as substituem na "manutenção da ordem pública", como faziam os camisas castanhas na Alemanha, nas décadas de vinte e trinta do século passado. Tudo propaganda no imaginário "realista" de MHE.
Curiosamente o líder do Svoboda, Oleh Tyahnybok, foi em junho de 2013 proibido de entrar nos EUA devido às suas posições públicas antissemitas. Mas deve ter feito nos seis meses que se seguiram um ato de contrição que o mundo não conhece. Apenas MHE. A tentativa de MHE limpar o Svoboda das suas credenciais neonazis consegue ser das coisas mais abjetas que vi nos últimos tempos.
No golpe de fevereiro de 2014, que levou ao afastamento do Presidente Yanokovitch, instigado e preparado pelos Estados Unidos, liderado por Victoria Nuland (a tal de fuck the EU, boca dirigida à Alemanha, que teve o telefone da sua chanceler espiado pelos serviços secretos americanos, https://www.bbc.com/news/world-europe-26079957) apoiou-se em grupos neonazis e de extrema-direita, que no rescaldo da operação instalaram representantes seus no Governo do país (https://www.channel4.com/news/svoboda-ministers-ukraine-new-government-far-right). Como disse o então Senador John McCain aos manifestantes, em Kiev, ao lado do líder de extrema-direita do partido Svovoda “a América está convosco”.
Uma das primeiras medidas “democráticas” das novas autoridades instaladas em Kiev foi abolir a língua russa como língua oficial do país, falada por cerca de metade da população. A parte do país de maioria russa – contígua com a Rússia - reagiu sublevou-se contra o novo regime. Dada a falta de confiança nas Forças Armadas ucranianas para colocar as zonas rebeldes na ordem, os novos decisores recorreram a milícias, na sua esmagadora maioria de extrema-direita e mesmo de inspiração nazi, assim como a mercenários georgianos e a pessoas vindas da parte ocidental da Ucrânia. Do golpe de Maidan surgiu um monstro. A Ucrânia tornou-se no único país do espaço euroasiático em que organizações abertamente nazis participavam no governo. A Ucrânia é um Estado disfuncional. Se havia dúvidas no passado, sobre as cedências feitas por Zelenski a estes grupos, hoje desapareceram (https://towardfreedom.org/story/archives/europe/how-ukraines-jewish-president-volodymyr-zelensky-made-peace-with-neo-nazi-paramilitaries-on-front-lines-of-war-with-russia).
Até a insuspeita Freedom House dá nota disso (https://freedomhouse.org/country/ukraine/freedom-world/2022), considerando o regime ucraniano apenas “parcialmente democrático”. O líder do principal partido da oposição esteve Mais de um ano em prisão domiciliária, sem culpa formada, até conseguir escapar (https://en.wikipedia.org/wiki/Viktor_Medvedchuk). Só de uma assentada foram ilegalizados 11 partidos políticos, recorrendo ao cómodo argumento de que quem discorda de Zelenski é pró-russo. Como se isso não bastasse, o presidente ucraniano parece estar seriamente envolvido, assim como os seus antecessores, na fuga de capitais do país (https://www.theguardian.com/news/2021/oct/03/revealed-anti-oligarch-ukrainian-president-offshore-connections-volodymyr-zelenskiy). Seria interessante questionarmo-nos por onde anda Yatsenyuk, o primeiro primeiro-ministro da Ucrânia pós-golpe e do que vive. Onde foi buscar o dinheiro?
As autoridades ucranianas têm problemas com as suas minorias, nomeadamente a húngara, romena e cigana, para além da russa, que, por sua vez, se repercute nas relações com países vizinhos. A lei aprovada em setembro de 2017, que limita o emprego das línguas das minorias no ensino oficial visava atingir as regiões onde predomina o uso da língua russa, mas acabou por afetar todos os restantes grupos. As reações foram imediatas.
O presidente romeno Klaus Iohannis cancelou a sua visita à Ucrânia em protesto pela adoção dessa lei, e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, de uma forma mais assertiva, retaliou vetando a aproximação da Ucrânia à OTAN e à UE. Manifestações racistas e ataques à comunidade cigana e húngara perpetrados por organizações de extrema-direita, algumas delas com assento parlamentar, têm-se multiplicado nas regiões ocidentais do país perante a complacência do Governo e a passividade das autoridades policiais, ao ponto de as autoridades húngaras terem convocado o embaixador ucraniano em Budapeste para lhe pedir explicações. Ainda sobre o relacionamento deste governo com as suas minorias ver, por exemplo, https://www.civic-nation.org/ukraine/society/treatment_of_minorities.
A Polónia esqueceu-se das relações azedas que manteve com o novo regime devido à reabilitação feita pelo Governo ucraniano de grupos e figuras controversas, que colaboraram com o regime nazi durante a II Guerra Mundial cometendo atrocidades contra a população polaca. Isto prende-se com a UPA, uma organização paramilitar de extrema-direita, e com a organização dos nacionalistas ucranianos e o seu líder Stepan Bandera, que se envolveram no massacre de polacos nas regiões de Volínia e Galicia, duas regiões divididas entre a Polónia e a zona Oeste da Ucrânia durante a ocupação nazi da Polónia.
E como não tenho ressentimentos, sugiro que MHE leia https://presse.francereinfo.org/la-situation-militaire-en-ukraine para da próxima vez que escrever sobre a Ucrânia e queira pôr-se em bicos dos pés não bolse baboseiras. Outros episódios se seguirão.
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