O Atentado Terrorista de Manchester e os que Virão a Seguir. Tolerância, Condescendência e os Equívocos Fatais
ESTE TEXTO FOI ESCRITO ANTES DOS ATAQUES TERRORISTAS DO DIA 3 DE JUNHO. ESTAVA PARA SER PUBLICADO COMO ARTIGO DE OPINIÃO NUM JORNAL DE REFERÊNCIA. OS ACONTECIMENTOS DE LONDRES TORNARAM-NO DE ALGUM MODO ANACRÓNICO
Os
ataques terroristas que assolaram recentemente o Reino Unido vieram para ficar.
Outros se seguirão. Variarão apenas na letalidade e no grau de complexidade. Os
analistas explicam estes e outros acontecimentos semelhantes como atos do
projeto de dominação global do Daesh,
uma das grandes ameaças à paz mundial e à estabilidade das democracias
europeias.
Nada
de mais errado no que respeita à Europa. E perigoso. Contaminados por esta
explicação simplista ficamos impedidos de perceber o problema crucial que
aflige as nossas sociedades.
Estes
ataques não foram orquestrados pelo Daesh.
No seu estertor, acossado em Raqqa e Mosul, o Daesh não tem capacidade para desferir estes ataques. Houve casos
de maior complexidade como os de Paris e Bruxelas em que é possível identificar
alguma relação orgânica com o Daesh.
Mas esses casos foram uma minoria.
A explicação é muito mais complexa.
Os dirigentes europeus terão de perceber uma vez por todas que o Daesh não é uma ameaça existencial para
a Europa. Nem o Islão nem os muçulmanos que vivem na Europa, mas sim a
radicalização cada vez maior de largos setores da população muçulmana europeia,
de que os ataques de Londres e Manchester são uma expressão. Isso é
particularmente evidente no Reino Unido. Estes ataques foram apenas
manifestações de um movimento social na forja, com motivações sectárias, que
poderá evoluir para um movimento político de massas. O Daesh será derrotado no campo de batalha - em Raqqa e Mosul - mas
estes ataques irão continuar porque os seus autores são autóctones e autónomos,
e não precisam do Daesh para
sobreviver.
Os
vaabitas controlam seis por cento das mesquitas no Reino Unido e os fundamentalistas
Deobandi cerca de 45%. A radicalização é feita maioritariamente nas mesquitas,
nos ginásios e nos centros culturais islâmicos, e não na internet como é
frequentemente afirmado. Segundo estudos recentemente efetuados, cerca de um
terço dos muçulmanos britânicos sentem que não fazem parte da cultura
britânica; cerca de 30% dos muçulmanos britânicos nunca entraram na casa de um
não muçulmano. Como se isto não bastasse, cerca de metade dos muçulmanos
britânicos têm menos de 25 anos, enquanto que um quarto dos cristãos têm mais
de 65, o que nos dá indicações claras sobre o que será equilíbrio social no
país dentro de duas décadas.
Em Londres, existem cerca de 100
tribunais reconhecidos oficialmente que praticam a Sharia, inseridos num
sistema paralelo de justiça tornado possível graças à implementação de um
sistema alternativo de resolução de conflitos. As sufragistas que lutaram
heroicamente pelos direitos das mulheres devem estar a dar voltas no túmulo, ao
verem o que lhes custou tanto a conquistar ser agora destruído num ápice com base na tolerância. O facto de existirem mais muçulmanos
britânicos a combaterem nas fileiras do Daesh
do que nas Forças Armadas do Reino Unido é revelador do nível de integração
social de alguns setores da comunidade islâmica na sociedade britânica.
Muito
mais haveria a dizer sobre a matéria. Contudo, não poderemos deixar de referir
que este fenómeno não se combate colocando preventivamente militares na rua a fazer patrulhas.
Estas respostas servem apenas para mostrar à opinião pública que se está a
fazer alguma coisa. Só por obra do acaso serão capazes de parar um ataque
terrorista. Os militares não são o instrumento adequado para combater esta ameaça. Entre outras medidas, é fundamental envolver os segmentos moderados da comunidade muçulmana neste
combate. Não podem de modo algum serem postos à margem. Serão
seguramente os aliados mais eficazes nesse confronto. Chegámos a este ponto porque os
dirigentes britânicos não foram capazes de distinguir tolerância de
condescendência. Com a Sharia não pode haver tolerância. Quanto mais se tardar
a perceber o equívoco pior será.
Comentários
António Cabral
(Autor do Chapeus há muitos)