A DOR DE COTOVELO

 

Do seu refúgio de oração, José António Saraiva (JAS) opinou, que “A cobertura televisiva da guerra na Ucrânia apresentou uma novidade desde o início: o aparecimento dos militares-comentadores. Depois dos políticos-comentadores, que quase tiraram o espaço aos jornalistas, foi a vez de os militares-comentadores surgirem em força. Sobretudo os generais, que pareciam brotar do chão. Simultaneamente, um comentador que em guerras anteriores se tinha distinguido por estar bem informado e ter um bom conhecimento do material bélico – Nuno Rogeiro –, nesta guerra da Ucrânia foi abafado pelos militares, mal se ouvindo a sua voz”.

Tanto incomodo por os militares serem chamados a falar de temas militares e a comentar as guerras nos canais de televisão, algo que se faz de modo continuado desde a guerra do Golfo noutros países, mas que JAS parece desconhecer. Tamanha inconformidade com o progresso. Bom, se for noutros sítios não há problema, aqui é que não. Manda jornalistas para o desemprego. Os militares estão a tirar o ganha-pão aos jornalistas. Já não bastavam os comentadores. É mais simpático chamar tanques aos Carros de Combate, etc. O artigo de JAS configura uma reação corporativa de contornos provincianos. Falta-lhe cosmopolitismo.

Percebo que JAS não perceba que o que se diz hoje (exercícios especulativos informados) possa não se concretizar amanhã. O mundo que rodeia JAS provavelmente não se movimenta. Na guerra as realidades fluem, são dinâmicas, e exigem uma reavaliação permanente. O que é hoje, pode não ser amanhã. E na verdade normalmente não é. Quando o que está planeado não se concretiza chamamos-lhe na gíria militar “conduta”. Aprender a responder com agilidade quando os acontecimentos não correm conforme o planeado. Quantas vezes isto nos acontece no nosso dia-a-dia? Mas JAS é um tipo exigente. Quer, exige certezas numa realidade onde elas não existem. Não é o único. Há mais como ele.

Percebo a incomodidade de JAS com os alegados enganos dos outros, porque ele nunca se enganou. Acertou sempre, embora não seja essa a opinião do Tribunal Judicial de Lisboa (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Ant%C3%B3nio_Saraiva). Por isso temos mesmo de o levar muito a sério. Percebo que JAS não seja convidado para estes debates sobre temas militares, porque quando teve a oportunidade de aprender umas coisas sobre tropa andou convenientemente pelos bancos da Escola Superior de Belas-Artes.

Percebo muito bem por que JAS tem tanta preocupação com as imprecisões dos analistas militares (sobre assuntos em movimento), e tanta condescendência com as informações prestadas pelos serviços secretos ingleses e ucranianos quando anunciam a invasão da Ucrânia pela Bielorrússia (que nunca se concretizou), a falta de munições dos russos (só têm munições para uma semana. A ser verdade, que alívio para os pobres dos soldados ucranianos entrincheirados no Donbass), os 30 mil soldados russos já mortos (e mesmo assim consegue manter uma capacidade ofensiva), etc., etc. Com esses “enganos” – deliberados – JAS consegue dormir bem, não se sente incomodado, nem levanta a sua pluma. Em vez disso, reage como uma “tia da linha”: “Depois de um dia a ouvi-los, uma pessoa fica exausta, baralhada, com uma enorme confusão na cabeça, sem fazer nenhuma ideia do que está a acontecer”. JAS vive no mundo das suas verdades, em que não há desinformação, manipulação, operações de informações e psicológicas. Isso não o “chateia”. São minudências. Mas os militares a comentar a guerra na televisão é que não, sobretudo quando questionam aquilo em que acredita. Talvez devido à idade, JAS perdeu flexibilidade e cristalizou no ortorrômbico. É um tipo antiquado que vive num mundo que já não existe, nas que temos de continuar a aturar porque está num pedestal, a que nem todos podem aceder, e porque vivermos em democracia. Faz parte das regras do jogo. Apenas por isso.

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