A falácia: Isaltino Morais e a sua visão para o Concelho de Oeiras
Isaltino Morais partilhou recentemente com o mundo a sua visão para o
Concelho de Oeiras, a qual incluía o sonho de tornar Paço D’Arcos numa
Saint-Tropez. Parece-me que o degredo lhe coartou a ambição. Como oeirense
estou desapontado pelas suas vistas curtas. O antes aguerrido visionário afrouxou
o ímpeto.
Qual Saint- Tropez! Uma coisa a sério era transformar a costa de
Oeiras numa Côte d’Azur, numa Costa Azzurra,
numa Riviera à portuguesa, para deleite dos fregueses do Concelho mais letrado
do país. Já estou a imaginar uma Riviera a la
portugaise. Claro, desenhada com uma ambição à nossa medida.
Se o Mónaco tem um Grand Prix
de Fórmula I, Oeiras poderia ter um Grand
Prix de karting; se Cannes tem um festival de Cinema, por que é que Oeiras
não tem, por exemplo, um festival internacional de cinema sobre corrupção? Se
Monte Carlo é uma etapa do Jumping
International, porque não pode ser Oeiras uma etapa do asinus Jumping
International (parece que em
Trás-os-Montes há uma espécie em vias de extinção)? E por aí adiante.
Why not, darling? Sempre que um homem pensa, o mundo pula e
avança.
Falando a sério. Convém perceber o que Isaltino pretende
verdadeiramente fazer, agora que lhe faltam os rios de dinheiro europeu que
teve no passado. Apesar da analogia saloia entre Paço D’Arcos e Saint-Tropez –
que nos leva a interrogar se alguma vez lá esteve – Isaltino mostrou o seu
pensamento, não propriamente para o Concelho, porque para isso não tem muito,
mas para a sua linha de costa onde pode ainda dar largas à sua senha
construtiva, altamente remuneradora. Construção civil em força. Barrote ao
alto!
Isaltino quer transformar uma área de classe média fundamentalmente
residencial - de escoamento de dezenas de milhares de pessoas que trabalham em
Lisboa – numa zona de lazer para ricos. E como fazer isso?
Isaltino não está preocupado com a mobilidade suave, com os
transportes públicos, hubs
rodoviários onde a tal classe média possa deixar os seus automóveis e apanhar
transporte públicos para Lisboa. Ele quer é fazer obras na marginal que “tem de ser cada vez mais uma avenida,
em vez de uma estrada de circulação de grande tráfego”. Digamos… tipo uma Promenade des Anglais, em Nice.
Os túneis e viadutos previstos para a marginal não visam melhorar a
qualidade de vida da população. O alvo é outro.
Para consumar esta ânsia frenética, Isaltino pretende recorrer “a
procedimentos simplificados de contratação pública que dispensam a abertura de
concurso”. Segundo ele, a urgência dos projetos “não se compadece com abertura
de concurso público”. Será que estão a ver o mesmo que eu?
Isaltino quer três marinas numa frente de costa com 6,5 km (quem disser que
é megalomania é um velho do Restelo e não é construtivo). Uma já lá está, a de
Oeiras. As restantes duas (Paço D’Arcos e Cruz Quebrada) e respetivas
infraestruturas turísticas de apoio dirigem-se a um segmento de mercado
diferente: ao lazer dos turistas ricos que se fazem transportar em iates e
veleiros transatlânticos. A construção do mega empreendimento na Foz do rio
Jamor serve esse propósito. Em Paço D’Arcos, a consumação do golpe exige a
prévia alienação das instalações militares onde serão construídos os hotéis de
apoio.
Na verdade, o modelo que Isaltino nos pretende impingir não tem a ver com
Saint-Tropez, sendo remotamente parecido com o do Mónaco, ou mais propriamente
com o de Monte Carlo.
O que Isaltino nos vem propor é uma falácia. A ideia não seria estúpida se
fosse possível conciliar as dinâmicas de uma via que escoa diariamente largas
dezenas de milhar de viaturas com as de um projeto turístico com requisitos
completamente diferentes. Isaltino quer transformar a marginal numa avenida, em
vez de uma estrada de circulação de grande tráfego. Mas não diz onde vai meter
o tráfego existente mais o que resulta da criação dos quase mil fogos na Quinta
dos Inglesinhos, do tráfego induzido pelos milhares de utentes da futura
Universidade Nova, ao que se
soma ainda o do projeto do Alto da Boa Viagem e do projeto da Foz do rio Jamor,
tudo isto em cima da Marginal, sem outra alternativa de acesso.
Mesmo partindo do princípio que o
segmento de mercado que Isaltino pretende captar seria servido com a oferta que
pretende disponibilizar (Monte Carlo e Oeiras são duas coisas tão parecidas que
até proponho a geminação), a verdade é que a implementação desta ideia seria
dramática para a qualidade de vida de quem vive todo o ano no Concelho. Com
esta falácia ganhariam uns poucos em detrimento e à custa da grande maioria. É
importante perceber, digamos, a nuance. É isto que os habitantes de Oeiras
querem?
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