Manchester, Londres, Barcelona, Cambrils, Turku, Surgut…


        Há mais de um mês escrevi este artigo de opinião para ser publicado um jornal de referência da nossa praça, o que acabou por não acontecer. Tinha como referência os ataques terroristas no Reino Unido. Entretanto, deixou de ter oportunidade mediática apesar de permanecer infelizmente atualizado. Onde se lê Reino Unido podia perfeitamente ler-se Espanha. Sobretudo na Catalunha, repetem-se os mesmos fenómenos já identificados noutras sociedades europeias. Referimo-nos a “sociedades paralelas” de natureza sectária (o El Raval – um bairro nas proximidades de La Rambla habitado maioritariamente por muçulmanos -  foi apelidado do Molenbeek de Barcelona) e tal como na Bélgica e noutros países europeus um número significativo de imams não fala espanhol.

Ainda sobre os Ataques Terroristas no Reino Unido. O Lado Positivo de Eventos Dramaticamente Negativos

O Estado Islâmico tentou convencer meio-mundo que os ataques ocorridos a três de junho de 2017, na ponte de Londres, eram da sua autoria. Fez saber através da sua agência noticiosa (Amaq) que “um destacamento de combatentes do Estado Islâmico executaram…um ataque em Londres”. Era reivindicado no comunicado que os atos tinham sido cometidos por operacionais do Estado Islâmico e não por “lobos solitários”. Com isto, o Estado Islâmico pretendia fazer crer que era capaz de coordenar ataques complexos e em larga escala a partir da Síria e do Iraque.
O Estado Islâmico assumia por norma a responsabilidade dos ataques terroristas que acreditava terem sido inspirados na sua ideologia, independentemente da relação orgânica que pudesse existir com os perpetradores. Não deixa de ser curioso o facto de a larga maioria dos analistas europeus defenderem posições muito semelhantes às do Estado Islâmico, servindo involuntariamente de sua caixa de ressonância.
Apesar de reconhecermos a criatividade da liderança do Estado Islâmico, a sua capacidade para comandar e controlar este tipo de ações aproxima-se do zero, particularmente nesta altura em que sitiado em Raqqa e derrotado em Mosul luta desesperadamente pela sobrevivência. No caso concreto dos ataques em Londres, tiveram de se socorrer de um segundo comunicado para corrigirem a data do ataque, inicialmente incorreta. Tinham confundido os dias.
            Do ponto de vista estratégico, o Estado Islâmico foi um projeto mal concebido e que se encontrava à partida condenado ao insucesso. Bin Laden não se cansou de alertar para os perigos em se criar apressadamente um Estado Islâmico. Seria mais tarde ou mais cedo esmagado pelo poder militar dos EUA. Tratava-se de colocar o carro à frente dos bois. A declaração de um Estado Islâmico antes do tempo tornar-se-ia uma vulnerabilidade, seria um problema em vez de uma oportunidade. O alarido provocado pelos analistas e pelos órgãos da comunicação social europeus ao redor da ameaça causada pelo Estado Islâmico contribuíram para desviar as atenções do verdadeiro problema: a crescente radicalização das comunidades muçulmanas que vivem em território europeu.
Os ataques terroristas de há dois meses no Reino Unido parecem ter tido o “mérito” - pérfido - de levar os decisores políticos britânicos a reconhecerem a importância da questão. O problema do Reino Unido está no seu território, no interior das suas fronteiras. A ameaça não tem origem no Estado Islâmico, mas sim na radicalização de largos setores da sua população muçulmana. É para este problema que se tem de encontrar soluções e não para outro.

Esse despertar dos decisores políticos e da sociedade tem lugar num momento em que, apesar da ocorrência dos ataques, as diferentes fações radicais não têm ainda um objetivo e um programa político articulado, não estabeleceram ainda a estratégia e a tática para alterar a ordem política vigente. Encontramo-nos numa fase preliminar de um movimento de massas sedicioso, cujo objetivo final será derrubar os regimes demoliberais e impor uma outra ordem política. A “feliz” falta de visão estratégica, leva-os a empenharem-se prematuramente numa fase em que o movimento se encontra muito vulnerável, e em que a sua dimensão é ainda muito reduzida para se pensar num movimento social capaz de derrubar a atual ordem política. É, pois, agora a altura dos decisores políticos europeus atuarem, já agora de uma forma concertada. Amanhã pode ser tarde.   

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