OS “SEXTA ÀS 9/11” E AS MORTES NOS COMANDOS. UM EXERCÍCIOZINHO DE JORNALISMOZINHO DE INVESTIGAÇÃOZINHA
1. No passado 30 de setembro, pela terceira semana
consecutiva, a morte dos instruendos do curso de Comandos foi tema dos
programas “Sexta às 9/11”. Os programas que nos foram apresentados como sendo jornalismo
de investigação (até se foi a França entrevistar a mãe de um dos soldados
falecidos) na senda de uma causa nobre (esclarecer a verdade), não passaram de
uma farsa informativa.
2. Três programas sobre o mesmo tema, sem se acrescentar
nada de verdadeiramente significativo, sugere um ensejo desmesurado em explorar
um rentável “scoop” em vez de uma verdadeira preocupação com o que terá levado
ao trágico fim das vítimas. O despudor em publicar a entrevista da mãe de um
dos falecidos, destroçada e emocionalmente vulnerável no rescaldo do funeral do
filho, parece inserir-se no nosso argumento, em vez dos elevados propósitos de
esclarecer a opinião pública sobre o sucedido. Explicaremos de seguida, os
motivos de tão graves acusações.
3. Independentemente daquilo que se vier a apurar quando a
investigação estiver concluída e os resultados forem tornados públicos (isto parece
ser um exercício redundante para os mentores do programa, para quem não há
dúvidas sobre a matéria), não poderemos deixar passar em vão o exercício
manipulativo e mentiroso, repleto de falsidades em que consistiram aqueles
programas. Muito poderia ser dito. Concentrar-nos-emos apenas nos aspetos mais
importantes, para que o leitor consiga ler o texto até ao fim.
4. No primeiro programa (16Set), foi defendida a tese de que
os dois instruendos que vieram a falecer foram retirados dos grupos de
instrução por um “sargento mau” que os levou para um local recôndito, longe das
vistas dos restantes instruendos, onde foram alegadamente seviciados. Alguém minimamente
informado sabe que esta hipótese é completamente inverosímil. Os instruendos
não pertenciam ao mesmo grupo. Ninguém está a ver um sargento “surripiar” um
instruendo a um grupo comandado por um oficial. Os pressupostos desta tese são
no mínimo delirantes. Só alguém completamente ignorante sobre o modo como
funciona a instrução pode considerar esta possibilidade.
5. No segundo programa (23Set), os responsáveis devem ter-se
esquecido da tese defendida na semana anterior. Serviram a audiência com uma
nova tese que contradizia a da semana anterior. Afinal, parece que alguém terá visto
(contaram) a comer terra um dos jovens que veio a falecer. Primeiro, não havia
testemunhas, era um lugar recôndito, agora há umas testemunhas que ouviram
alguém que tinha visto o jovem a comer terra. E só viram isso? só viram o jovem
a comer terra? Não viram mais nada? E como é que alguém que está inconsciente
come terra? Quem está inconsciente não consegue engolir.
6. A tese do primeiro programa não bate certo com a tese do
segundo.
7. O segundo programa teve a colaboração de dois
“especialistas”: um em medicina do desporto e outro em direito, por sinal um
advogado bem conhecido do público pelo seu envolvimento em vários processos
mediáticos.
8. Das várias observações feitas pelo reputado especialista
em medicina do desporto vou comentar a que me parece ser mais relevante para o
que está em causa. Uma pessoa informada devia saber que treino desportivo e treino militar só têm em comum uma
coisa: a expressão treino, porque o resto é completamente diferente. Devia ter sido capaz de fazer essa distrinça, o que não aconteceu. Não é a
mesma coisa fazer uma maratona ou uma marcha “Comando”. Esqui e combate em
montanha invernal são coisas essencialmente distintas; paraquedismo e
paraquedismo militar são igualmente diferentes; aplica-se o mesmo ao mergulho,
etc. Umas são atividades lúdicas, as outras são atividades destinadas a
preparar o combatente para sobreviver no campo de batalha. Como veremos, pode ser falacioso tentar extrapolar experiências de um caso para o outro.
9. Os militares têm a mania de se fazer acompanhar de uns
adereços (mochilas, armamento, capacetes, etc.). Quem vai para Andorra ou Serra
Nevada esquiar com o intuito de fruir desce a montanha nas zonas de neve batida e em condições meteorológicas
simpáticas. Enquanto o “invernante” sobe à montanha através dos denominados meios de
elevação, a rapaziada militar sobe com peles de focas nos esquis e fora da neve
batida, e desce onde não há pistas. E
não pernoita no hotel. Dorme em igloos ou em covas feitas na neve; e sempre
acompanhado dos tais adereços. É capaz de haver alguma diferença entre atividade
lúcida e preparação para o combate. Digo eu.
10. E o que é que nos propõe o especialista em medicina do
desporto que se prestou a participar no programa? A guerra do Raúl Solnado! O
seu conselho é que a atividade física deve ser cancelada ou interrompida a
partir dos 28 graus (vejam o programa para confirmarem a veracidade do que
afirmo). Isto não pode ser levado a sério! Sem pretender contestar os
conhecimentos da pessoa em causa em matéria de medicina desportiva, tinha-lhe
ficado bem alguma contenção verbal. Expôs-se. Não havia necessidade.
11. Aproveito a oportunidade para esclarecer mais uma
pequena diferença entre desporto e combate. O desporto é uma atividade de
lazer, que envolve muito sacrifício na alta competição e pode em situações
extremas levar à morte. Mas a acontecer isso, decorre de uma decisão do
próprio. A guerra é diferente. A guerra é uma merda. Morre-se; mata-se; mata-se
para não se morrer; deixa pessoas estropiadas mental e fisicamente para toda a
vida. Não se pode dizer ao inimigo para parar a guerra quando a temperatura for
superior a 28 graus. Combater acima dos 28 graus? Não, assim não vale. Não há
guerra para ninguém. Sugiro que arranjem outros argumentos. Estes não servem. São maus de
mais.
12. O outro especialista, o conhecido advogado da nossa
praça não estava informado sobre os acontecimentos. Podia ter-se preparado e
saber, por exemplo, que os acontecimentos ocorreram em momentos diferentes.
Dispensa-se a sua dissertação sobre as possibilidades teóricas legais do que poderá
acontecer aos envolvidos no caso, que já eram do conhecimento de todos. Não contribuiu com a
sua sapiência para aumentar o nosso conhecimento. E já agora convém esclarecer
que o Exército não precisa dos seus conselhos paternalistas sobre a forma de como
se prestigiar com esta investigação. Informe-se primeiro e fale depois.
13. Na ausência de matéria séria para discutir, o programa
enveredou por acusações graves e completamente infundadas: o Exército quer
impedir o apuramento da verdade, o Exército quer abafar e ocultar, não quer
esclarecer a verdade. Em que se baseiam estas afirmações? Onde está a evidência
que o Exército está a fugir com o “rabo à seringa”? é grave a pivot do programa
ter embarcado nesta linha de comentários gratuitos só porque não lhe
satisfizeram o capricho de lhe dar informação que está em segredo de justiça.
14. Choca-me a ânsia desenfreada de notoriedade. Choca-me
ver pessoas articuladas prestarem-se a comportamentos tipo “tesourinhos
deprimentes”. O que os leva a isto? Contributo cívico para o apuramento da
verdade? Certamente que não. Estará o nosso advogado disponível em apoiar pro bonno as famílias quando decidirem
processar o Estado? Vi um dia destes um ex-membro do Tribunal Constitucional,
ex-ministro e ex outras coisas no tabloide que dá pela designação de CMTV, no programa da Maia, também a mandar
bitaites sobre os acontecimentos nos Comandos. Estas pessoas não se enxergam?
Vá lá, um pouquinho de pudor e bom senso.
15. O canal público tem repetido ad nauseam uma série de “imprecisões”
que mais tarde ou mais cedo terá de se retratar e que são importantes em
matéria de factos e de opinião pública: o primeiro acidente ocorre a meio do
primeiro dia de treino, e não no segundo dia como tem vindo a ser reiteradamente
afirmado (à boa maneira goebeliana); os Comandos assinaram um pacto de
confidencialidade (nunca se fez isso em mais de 50 anos dos Comandos). Foi
muito grave confundir a opinião pública misturando um contrato de trabalho que
todos os soldados que prestam serviço no Exército têm de assinar, no mesmo
pacote em que se falava em pacto de confidencialidade. Se não foi intencional,
convém que alguém se esclareça rapidamente a trapalhada, porque é abjeto e absolutamente
inaceitável manter esta “imprecisão” no limbo. A isto chama-se manipulação.
16. É mais do que natural que haja pessoas que não queiram
falar com os promotores do programa. Também fui contatado pela sua direção para
ser entrevistado. Não é de admirar. Desconfiam - legitimamente - do elevado propósito
dos seus promotores. Não se podem queixar do facto das pessoas não quererem
falar. Estão no seu direito. Daí a um pacto de silêncio vai uma grande
distância.
17. O último programa (30Set) foi absolutamente tétrico. Foi
brilhante a ideia de entrevistarem uma pessoa (mais cinco minutos de fama) que
chumbou no curso de Comandos há 35 anos, para falar e fazer extrapolações sobre
o curso de Comandos em 2016. Isto não é sério! É mais um exercício manipulativo!
Afanosamente, o jornalista que entrevistou o tal “não-Comando” (fonte de
elevada credibilidade para o apuramento da verdade) perguntava se também comiam
terra nessa altura. Se soubesse da poda, ter-lhe-ia feito perguntas muito mais
interessantes.
18. Os “Sextas às 9/11” dedicados aos problemas na instrução dos Comandos foram de uma qualidade confrangedora…rasteirinha. Quando os
promotores do programa souberem distinguir um burro de um burro do mato venham
então a jogo. A televisão pública não saiu dignificada deste exercício pobre e tosco.
Comentários
Jorge Galvão, ex-alferes Comando em Angola 1972/74, 24° curso, 37° Companhia de Comandos
03814688
2°turno de 88
R.L.L./E.L.N.
HÁ que respeitar as instituições Militares e quem as representa.
Vivam as nossas Forças Armadas
Viva Portugal
No entanto, é necessário fazer um reparo, em abono da verdade.
Assim, sobre o referido no ponto 11 da exposição, o valor 28 diz respeito a um índice calculado em função de quatro variáveis: temperatura, humidade, velocidade do vento e radiação solar. Assim, para a prática desportiva (que nada tem a ver com o treino militar), quando aquele índice tem um valor superior a 28 o risco de ocorrerem problemas graves de saúde é muito elevado e, por isso, a prática desportiva (e não o treino militar!) estão desaconselhados.
Grave, muito grave, é não existirem consequências para a prática deste tipo de jornalismo que de serviço público tem menos relação do que o treino desportivo com o treino militar!
Confio nos serviços militares para saber que apuradas os factos, mesmo sendo classificados, as pessoas que tenham violado algum preceito legal, regulamentar ou informal, será penalizado, ainda por mais em forças que não deixam ninguém para trás e onde uma vida amiúde é resgatada por um superior preço em vidas de camaradas.
Não obstante também há culpas na instituição castrense que muitas vezes pensa que a força, o segredo e a ostracização podem ocultar a verdade nomeadamente de tratamentos dados a militares que foram vítimas de material classificado, como certos cancros com origem em metais muito pesados e outras situações a que familiares, amigos e conhecidos assistem e na porca da guerra perdem a confiança necessária para confiar por princípio no que vem a público.
Assim sendo, a obscenidade de uns medra onde mergulham as raízes na escuridão de outros.
Lamento, apesar de não ser militarista não sou ingénuo ou hipócrita, a natureza humana dita que as comunidades se protejam e aos militares é atribuída essa missão e isso basta para que valorize os militares e a necessidade de gerir a instituição.
Lamento também as compras que a política permite e que alguns se tornem funcionários.
Os militares que conheço, militares de alma e convicção, são pessoas dignas e com sentido de missão, responsáveis. Pena que alguns tiros nos pés sujem as suas botas.