Os Trágicos Acontecimentos Ocorridos em Bruxelas, no dia 22 de março de 2016. Comentários
Não é terrorismo, é insurgência, estúpido!
Conhecendo o modo como a comunidade muçulmana belga, em
particular a de Bruxelas, se encontra radicalizada interroguei-me várias vezes sobre o facto de não terem ainda ocorrido em Bruxelas ataques como o de hoje,
depois de toda a violência que assolou várias capitais europeias, muito em
particular a vizinha Paris. Era previsível que acontecessem mais tarde ou mais
cedo. Não se sabia quando. Aconteceram hoje.
O debate que os canais portugueses de televisão têm promovido
com alegados especialistas tem-se revelado confrangedoramente pobre. É triste
assistir a académicos adotarem os sound bites dos media, quando num debate
informado se esperava exatamente o contrário. A falta de conhecimento do que se
fala leva à repetição ad nauseam de
clichés que não dão respostas a nenhum dos problemas que o debate devia
suscitar. Uns falam da falta de coordenação entre serviços de informação
(desconfio profundamente que disponham de conhecimento suficiente para sustentarem
essa falta de coordenação). Um reputado especialista em assuntos de política
internacional da nossa praça foi mais longe afirmando que tudo isto tinha a ver
com a presente crise que se vive no Médio Oriente. A verdade é que todos os
alegados especialistas que ouvi evitaram uma análise profunda do assunto (não
sei se de propósito ou por desconhecimento). Em primeiro lugar temos que parar
de falar por tudo e por nada de terrorismo. A falta de esclarecimento
conceptual impede uma interpretação esclarecida e informada dos acontecimentos.
É preciso distinguir entre terrorismo (estratégia), atos
terroristas (tática) e insurgência. Os talibans apelidados insistentemente de
terroristas, não eram terroristas. Eram um movimento insurgente que adotava
táticas terroristas. Isto faz toda a diferença, porque nos permite combatê-los
de uma forma consideravelmente diferente, provavelmente mais eficaz. Cancros não
se debelam com aspirinas. Salvaguardando as devidas diferenças ideológicas, o
objetivo estratégico dos talibans tinha pouco a ver com o de grupos terroristas
como, por exemplo, as Brigadas Vermelhas ou o Baader-Meinhof. O objetivo
estratégico dos talibans era substituir a ordem vigente pela sua ordem, pela
sharia, e para isso contavam com o apoio da população.
O mesmo raciocínio se pode aplicar hoje ao Daesh. Usa
táticas terroristas, comete atos terroristas, mas não é um movimento terrorista;
É um movimento insurgente. Se levarmos em consideração a doutrina, as ações do
Daesh encontram-se na 5.ª fase de uma insurreição, também denominada insurreição
geral. Salvaguardando uma vez mais as diferenças ideológicas, em 1973, o PAIGC encontrava-se,
do ponto de vista de cumprimento do seu objetivo estratégico, muito próximo do
Daesh há um ano atrás, ou seja, na fase de insurreição geral em que ao mesmo
tempo que se combatem as forças regulares do poder instituído, se consegue controlar
partes significativas do território, onde exerce quase todos atos
característicos de um Estado.
Para além da clarificação concetual, o que é que isto tem a
ver com os acontecimentos de Bruxelas?
É que continuamos a chamar terrorismo a algo que já não é só
terrorismo, mas também já assume perigosas características de insurgência. É muito
importante que os responsáveis políticos e a população compreendam do que se trata,
porque estes atentados só não vão parar como vão aumentar, porque estes atos terroristas
enquadram-se numa lógica de uma insurgência, mais propriamente na segunda fase
de uma insurgência. Isto é, uma fase ainda clandestina em que se consolidam os
sistemas de informação, de ligação e de agitação e se iniciam as ações terroristas.
A parte da população de um território que conduz a guerra subversiva
pode ser ou não ajudada e reforçada do exterior. Neste caso é, pelas suas ligações
ao Daesh. Mas não se podem confundir alhos com bugalhos. Não é o Daesh a meter
o pé na Europa. As ligações com o Daesh enquadram-se no que foi referido. É
assim em todas as insurgências.
Este tipo de guerra só terá sucesso se tiver o apoio da
população. Ora esta tem. Pode custar ouvir, pode ser politicamente incorreto,
mas esta é a verdade. O Público de ontem noticiava que Abdeslam foi ajudado por
amigos e vizinhos, não por Jihadistas. Um inquérito de opinião convenientemente
ignorado feito em França em maio de 2015 concluiu que as ações do Daesh tinham
um elevado grau de aceitação entre a população muçulmana. Cerca de 27% dos
jovens muçulmanos franceses entre os 18 e os 24 anos apoiavam o Daesh.
Preconceitos à parte isto é o principio de algo novo.
Apesar das contrariedades nem tudo está perdido. Estes atos terroristas
são extemporâneos. Para que a revolução islâmica triunfe (aconselho veemente a
ler o que diz o antigo Presidente bósnio Alija Izetbegovic sobre esta matéria
na sua Declaração Islâmica) os muçulmanos necessitam de, pelo menos, dispor da
paridade demográfica, o que está ainda muito longe de ocorrer. Pode ser que
estes atos tresloucados, sem corresponderem ainda a uma ação política
organizada, alertem os cidadãos para o perigo que lhes vai bater à porta enquanto
é tempo.
É importante que aqueles que se dizem de esquerda acordem
para este problema e não deixem à direita o monopólio da gestão deste problema.
É que se o deixam vai ser problemático. Basta ver o que aconteceu nas recentes
eleições estaduais alemãs. As coisas estão a mudar.
Comentários
Comentário lúcido e na "mouche" como é teu timbre!!!